Ao  desprezar plebiscito grego, União Europeia abandonou seu flerte com  democracia e direitos. Esquerda pós-capitalista precisa perceber virada, para  não tornar-se supérflua
  
  Durante quase  três milênios, os maiores matemáticos – entre eles, os gregos Hipócrates e  Arquimedes – tentaram resolver o problema da quadratura do círculo: a  construção de um quadrado de área idêntica à um círculo dado, utilizando apenas  uma régua e um compasso. Foi preciso esperar 1883 para que um professor  alemão, Ferdinand von Lindemann (1852-1939), demonstrasse que  isso era impossível.
  A séculos de  distância, no amanhecer de 13 de julho de 2015, um grego, Alexis Tsipras,  e dois outros alemães, Wolfgang Schäube e Angela Merkel, encontraram-se em  Bruxelas, numa encenação comparável, mas em que a lei do mais forte substituiu  a demonstração científica. O primeiro ministro grego queria provar que sua  recusa às políticas de “austeridade” era compatível com a presença de seu país  na zona do euro. Seus interlocutores, a chanceler e o ministro das Finanças  alemão sacudiram esta argumentação com uma bofetada: Atenas deveria escolher  entre a “austeridade” por tempo indeterminado e a expulsão da zona do euro, o  “Grexit”. Submetido a uma pressão inédita, Alexis Tsipras foi obrigado  a capitular.
  Esta “noite  de 13 de julho”, a da demonstração da impossibilidade de fazer coincidir a  superfície do quadrado das medidas progressistas e a do círculo do euro, será  sem dúvidas um momento crucial da história da União Europeia. Apesar de algumas  diferenças de fachada, com o presidente francês François Hollande no papel  de alcoviteiro, todos os governos membros do grupo do euro enviaram  uma mensagem cristalina às opiniões públicas europeias. Invertendo a  palavra de ordem altermundista “Um outro mundo é possível”, eles fizeram saber  que “Outra Europa é impossível”, nos parâmetros atuais.
  Ao tomar por nula  e não havida a vontade majoritária dos gregos, expressa nas eleições de 25 de  janeiro e no referendo de 5 de julho, eles indicaram aos eleitores que seus  votos têm, na melhor hipótese, um caráter apenas consultivo; e que as grandes  decisões são território reservado das “instituições”, novo nome da Troika: a  Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, que têm em comum o fato de  não terem sido eleitos. A tal ponto que podemos nos perguntar, exceto em  questões subalternas, se é de fato necessário continuar a organizar eleições no  interior da zona do euro e mesmo no conjunto da União Europeia.
  Em certos  meios políticos muito aferrados à ideia de União Europeia – em especial os  partidos Verdes –, há inquietações sobre as graves consequências políticas do  desprezo demonstrado pelas “instituições” diante da Grécia, tratada como uma  república de bananas qualquer. É evidente que esta Europa, em total contradição  com o discurso de democracia e solidariedade construído para promovê-la, é um  verdadeira espada e deve-se esperar um crescimento rápido do euroceticismo, em  meio ao desemprego maciço de jovens. O muito liberal presidente do Conselho  Europeu, o ex-primeiro ministro polonês Donald Tusk, chegou a afirmar que “a  atmosfera política de hoje é muito similar à de 1968, na Europa. Sinto um  estado de espírito talvez não revolucionário, mas de impaciência.
  Em maio de  1968, o Partido Comunista Francês, então força hegemônica na esquerda, foi  completamente surpreendido e tornou-se incapaz de traduzir em termos políticos  a revolta estudantil, que se estenderia em seguida aos operários. Se não tirar  rapidamente as lições da decepção de Alexis Tsipras e do preço a pagar para  continuar no euro, também a esquerda radical europeia arrisca-se a constatar  que a História se faz sem ela.
Le Monde,  14/7/2015

  





























