EUA montaram maior operação de resgate por helicópteros da história. Partiam de dez em dez minutos, conduzindo soldados e cúmplices para 25 navios no Mar da China. O último decolou às 7h58 de 30 de abril
Saigon, Vietnã do Sul, final da manhã de 30 de abril de 1975. Sob chuvas torrenciais, 17 divisões do exército do Vietnã do Norte e da Frente Nacional para a Libertação (FNL) entram na capital e rapidamente se apoderam de edifícios e instalações estratégicas.
Blindados modelo T-54, de fabricação soviética, arrombam os portões do Palácio Presidencial. Quinze minutos após o meio-dia, é hasteada a bandeira da FNL. Ao recém-empossado presidente Duong Van Minh não restou alternativa senão o derradeiro comando de rendição geral das suas tropas. A cidade tornara-se um pandemônio, soldados que não tiveram tempo de vestir roupas civis corriam pelas ruas, esbaforidos, de cuecas e camisetas, milhares de civis que haviam trabalhado com os norte-americanos e o governo deposto, acotovelavam-se em desesperada debandada rumo à embaixada dos Estados Unidos. Mais de 50 mil soldados, entre vietcongs e militares do Norte, garantiam a queda de Saigon. Os combatentes pela libertação do Vietnã do Sul que integravam a FNL eram chamados de vietcongs, que significava “comunista vietnamita”. De início, um apelido maldoso criado pelos Estados Unidos, que depois viu-se associado heroicamente à luta de resistência.
Chegava ao fim Guerra do Vietnã (ou a Guerra Americana, como dizem os vietnamitas), uma carnificina patrocinada pelos Estados Unidos que, em 14 anos, provocou a morte de três milhões de vietnamitas e 58 mil norte-americanos. Mais que isso, encerrava-se um vasto período de dominação estrangeira e guerras de liberação no país asiático, que desde o longínquo 1887 enfrentara o colonialismo francês, o domínio japonês e o imperialismo norte-americano.
Acordos de Paris
Dois anos antes da queda (ou libertação, como preferem os vietnamitas) de Saigon, em janeiro de 1973, acordos de paz assinados em Paris entre os Estados Unidos e o Vietnã do Norte, após 24 meses de extensas e complexas negociações, haviam decretado o fim do envolvimento norte-americano na Indochina. Para os Estados Unidos a guerra havia terminado com a flagrante derrota política e militar de sua poderosa máquina de guerra. Mas em pouco tempo o presidente Nguyen Van Thieu, do Sul, anunciou que a guerra havia recomeçado e os Acordos de Paris não teriam mais efeito. A guerra ainda continuaria por mais dois anos.
Nos dias que antecederam a queda de Saigon, entre 15 e 28 de abril de 1975, os Estados Unidos montaram uma gigantesca operação de retirada de seis mil norte-americanos e 50 mil dos seus cúmplices sul-vietnamitas. Mas na madrugada do dia 29, os revolucionários bombardearam pesadamente o aeroporto e Saigon tornou-se um beco sem saída. Assim, os militares dos Estados Unidos iniciaram a maior operação de resgate por helicópteros da história. Durante dezessete horas ininterruptas, mais de 130 helicópteros chegariam e partiriam de dez em dez minutos, conduzindo prioritariamente soldados norte-americanos para 25 navios ancorados no mar do sul da China. O último deles decolou às 7h58min da manhã de 30 de abril. Calcula-se que cerca de dez mil sul-vietnamitas, entre os quais muitos colaboracionistas, ficaram para trás. Menos de uma hora depois, entravam na cidade, triunfantes, os tanques norte-vietnamitas.
As origens
Em 1887 o colonialismo francês se impôs ao Vietnã, Laos e Camboja, transformando-os na União Indochinesa. Em 1940 os japoneses ocuparam o lugar dos franceses, tendo como resposta a criação, em 1941, sob a liderança de Ho Chi Minh, da Liga Revolucionária para a Independência do Vietnã (Vietminh). Rendido o Japão, em 1945, o líder vietnamita proclamou a independência da República Democrática do Vietnã, com capital em Hanói. Mas no ano seguinte os franceses voltaram à carga e começou outra guerra, a da Indochina, que se arrastou até 1954, com a vitória dos vietnamitas na histórica batalha de Dien Bien-Phu. Mas sob os ditames da guerra fria, o país foi dividido em dois pela Convenção de Genebra: ao norte, tendo Hanoi como capital, a República Democrática Popular do Vietnã, liderada por Ho Chi Minh; ao sul, com capital em Saigon, a República Democrática do Vietnã, sob influência dos Estados Unidos.
A divisão, no entanto, segundo a própria Conferência de Genebra, seria temporária, encerrando-se com eleições gerais em todo o Vietnã, que deveriam ocorrer em 1956. Mas o sul, temendo a enorme popularidade de Ho Chi Minh e aconselhado pelos Estados Unidos, cancelou o pleito. Nova guerra teria início, a partir de um grande levante popular em 1957. Em dezembro de 1960, nacionalistas, democratas, budistas, comunistas e outros segmentos excluídos pela ditadura de Ngo Din Diem, formaram a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã do Sul (FLN), com apoio dos compatriotas do Norte.
A fraude
Os Estados Unidos, que até então participavam do conflito enviando número crescente de consultores e assessores junto ao governo do Sul, iniciaram a intervenção militar direta em 1964, alegando um ataque de lanchas norte-vietnamitas contra um navio de espionagem estadunidense no golfo de Tonkin. O ataque nunca existiu, como comprovaram, em 2005, documentos secretos liberados pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. No auge da guerra, seus soldados em solo vietnamita chegaram a 550 mil. Em 1965, tiveram início os bombardeios sistemáticos sobre o Vietnã do Norte. Ao longo do conflito, os norte-americanos investiram mais de US$ 250 milhões. Na obsessão de derrotar a FNL, praticamente devastaram o Sul com bombas químicas altamente destrutivas, condenadas pela ONU, incluindo as desfolhantes como o napalm, o gel pegajoso e incendiário que provocava asfixia e a destruição das pujantes florestas asiáticas.
A Guerra do Vietnã chegava ao fim, em 30 de abril de 1975, com a conquista de Saigon pela FNL e seus aliados do Norte. Durante a breve ocupação militar que se seguiu, o Vietnã do Sul foi administrado por um governo provisório. Sua antiga capital tornou-se Cidade Ho Chi Minh. E em dois de julho de 1976, as duas partes do país foram reunificadas para formar a República Socialista do Vietnã.
Por Luís Manfredini, no Vermelho