Nem bem saído da mais recente surra eleitoral na votação para o Congresso, que lhe aplicou a minoria que se dá o trabalho de votar nos EUA, o ex-mais poderoso líder do mundo, presidente Barack Obama dos EUA, estrelará nesse final de semana um thriller, quando aparecer na mesma sala com o presidente da China Xi Jinping, com Shinzo Abe do Japão e – apertem os cintos! – com Vladimir Putin da Rússia.
“Que chateza!”, deve estar pensando o Bombardeador-em-Chefe. A economia global está um desastre, quase toda ela. A China, embora crescendo “só” 7% ao ano, continua a desbastar a aura de “nação indispensável” dos EUA. O Japão decidiu copiar o Federal Reserve e embarcou em sua própria versão kamikaze do “afrouxamento monetário” [orig. QE(Quantitative Easing)]. Várias nações do sudeste da Ásia continuam a ter chiliques por causa de umas rochas perdidas do Mar do Sul da China.
E, por fim, mas nem por isso menos grave, lá estará também a nêmese de Obama. O amaldiçoado Vlad “A Marreta” Putin, acaba de ser coroado “Mais Poderoso Líder” no mundo – embora pelas razões mais estúpidas (“imprevisível” chefe de estado de um “estado-bandido”) [1] – enquanto ele, o líder laureado com o Prêmio Nobel, o comandante-em-chefe da nação excepcional, indispensável, já não passa hoje de lastimável pato manco.
O encontro, que se estenderá da 2ª à 3ª-feira (10-11/11/2014) e será o ponto alto da reunião da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico [orig. Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)] em Pequim – de fato, fora de Pequim − de modo que céus presumivelmente não poluídos possam ter sua chance nas fotos. É o aniversário de 25 anos da APEC. E o 20º, da cúpula indonésia em Bogor – aliás, eu estava lá – onde, sob o efervescente charme de Bill Clinton, decidiu-se, para as 21 nações membros da APEC, um objetivo de comércio e investimentos “livres” e abertos, à altura do ano 2020. “Livre”, no sentido de “empresas norte-americanas ditam as regras”, é claro.
O que o planeta inteiro realmente quer saber sobre a reunião da APEC é se O Pato Manco ficará face à face com O Urso, um contra um. A Casa Branca, moita: não diz uma palavra. O Kremlin não descartou a possibilidade. Bem... Sempre há um Plano B: a reunião do Grupo dos 20, dias 15-16 de novembro/2014, em Brisbane, Austrália..
O que todo o planeta já sabe é que o novo visguento e escorregadio show que estreará no Capitólio em janeiro de 2015 tem uma alta prioridade: fazer de tudo, o que esteja ao seu alcance, para que o pato manco tenha de implorar piedade a cada passo, e de novo, e de novo. E o que significará isso, em termos da doutrina “Não faça merda coisa estúpida” de política externa que Obama criou para ele mesmo, e que a super-vilã de 2016, conhecida como “A Hillarator” já menosprezou, chamando-o de “princípio de antiorganização”? Só camadas extra de estupidez em quantidades cósmicas, ou algo mais substancial?
Aquele velho eixo do mal
Comecemos com O Califa [codinome: líder do Estado Islâmico (EI) Abu Bakr al-Baghdadi]. Obama já disse, depois de ter sido eleitoralmente detonado, que pedirá autorização ao Congresso para que sua coalizão dos covardes bombardeie o EI (codinomes: Estado Islâmico do Iraque e Síria (ing. ISIS); Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL); e Daesh, sigla em árabe da mesma falange).
Não é movimento perfeitamente idiota. Se o Congresso agora controlado pelos Republicanos diz “sim”, passa a ser responsável pelo fiasco (já é fiasco, hoje). Se diz “não”, o fiasco pode ser atribuído à irresponsabilidade dos Republicanos.
Os Republicanos estão afundados na sua própria divisão interna – os coturnos-em-solo que o establishment deseja, contra o Tea Party não intervencionista. Significa que, afinal de contas, o Pato Manco pode tirar algum proveito da coisa toda.
O Irã é jogada muito mais arriscada. Tudo depende de um acordo nuclear entre o Irã e o P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha) a ser firmado em pouco mais de duas semanas, dia 24 de novembro. É empreitada do calibre de escalar acima dos Himalaias, embora possível. O governo Obama quer desesperadamente esse acordo – como o comprova o vazamento de uma “carta secreta” de Obama dirigida ao Líder Supremo do Irã, Aiatolá Khamenei. Mas quer acordo nos termos de Washington, inaceitável para Teerã. [2]
O novo senado dos EUA só toma posse em janeiro. Obama já disse que não pedirá ratificação do acordo pelo Senado. Outra vez, o problema é “mas que acordo?”. A ideia de Obama para um grande design no Oriente Médio é usar uma Teerã “responsável” – pelos padrões dos EUA – para equilibrar a divisão sunitas/xiitas e livrá-lo das atuais guerras à distância, com toda a coisa arbitrada por Washington. É delírio fumado. Mas é o que o pato manco quer.
Desnecessário dizer, os Republicanos – para os quais Teerã nunca deixou de ser parte do “eixo do mal” – fará de tudo para bombardear o sonho, oleogasodutos e tudo, por exemplo, fazendo aprovar leis que impeçam que as sanções chaves sejam levantadas. Vão voar faíscas. Teerã não aceitará acordo nuclear no qual Washington diga que “damos nossa palavra: levantaremos as sanções”. A coisa tem de estar escrita, com todas as letras, no texto do acordo. Afinal, Teerã já tem longa experiência em negociações com os doidos pirados Republicanos no poder.
Quanto à Rússia, nada mudará – também porque o governo Obama precisa de Moscou para conseguir qualquer acordo com Teerã. A demonização incansável de Putin, e o ressurgimento do velho meme da Guerra Fria, “Os Russos estão Chegando”, com certeza continuarão a impelir a estupidez reinante 24 horas por dia, sete dias na semana, até as esferas intergalácticas.
A Colina do Capitólio passará a fazer hora extra. Afinal, demonizar a Rússia é esporte bipartidário em Washington. A única “solução” seria mudança de regime. Mas Putin não só não se mudará de onde está, como, além disso, já está subindo o tom do desafio contra o Império do Caos. Implica problemas crescentes com a Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel continua a contemporizar com os norte-americanos, enquanto o bussiness alemão só quer saber de mais e mais negócios com a Rússia e com a Eurásia como um todo.
Outro China ganha-ganha?
No comércio, é aí onde a APEC colide com uma versão norte-americana em duas pinças de uma OTAN econômica: a proposta Parceria Transatlântica para Comércio e Investimento [orig. Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] com a Europa; e a proposta Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] com a Ásia.
O governo Obama combate por, nada menos, um mercado global totalmente não regulado. Imagine o mercado “livre” – do qual Bill “Bubba” Clinton já falava em desfile pela Indonésia há duas décadas – fixando todos os tipos de padrões sobre tudo, desde condições de trabalho até o meio ambiente. Em teoria, é exatamente o que os Republicanos mais amam. Aqui, Obama andará exatamente na trilha deles, o que implica(ria) fácil ratificação no Senado.
Na verdade é muito mais complicado que isso. Os Republicanos simplesmente não admitem que Obama consiga qualquer vitória, vitória alguma. Significa que o próximo Senado não lhe dará a via rápida de que ele precisa para assinar o acordo TPP.
Isso acontece de ser exatamente o que a China quer. Pequim usará a APEC para promover o mapa do caminho para seu próprio acordo comercial anti-TPP: a Área de Livre Comércio do Pacífico-Asiático [orig. Free Trade Area of the Asia-Pacific (FTAAP)]. O acordo proposto daTPP envolve 12 membros da APEC – mas não a China. E mesmo dentro da TPP já há revolta monstro: Tóquio combate os EUA, porque o Japão tem certeza de que sua agricultura e sua indústria automobilística podem ser devoradas pelas corporações norte-americanas.
Assim sendo, estamos marchando direto para uma titânica Batalha dos Acordos, em nível de Transformers. De fato, qualquer acordo é problemático, porque China, Japão e Coreia do Sul podem desejar, em princípio, mais ampla cooperação econômica. Mas no comércio, como em tantos níveis, eles combatem furiosamente uns contra os outros – como, por exemplo, na indústria automobilística e na agricultura –, para nem considerar aquela pesada bagagem histórica entre Japão e China e Japão e Coreia do Sul.
A ofensiva chinesa de sedução na APEC em Pequim tem a ver, sobretudo, com “desenvolvimento inovador”, “construir investimentos para infraestrutura” e “ampla conectividade”. É imagem especular das extremamente ambiciosas Novas Rotas da Seda propostas pelo presidente Xi para conectar a Eurásia.
Pequim está propondo uma nova “rede de conectividade” em três áreas chaves – “conectividade física, conectividade institucional e conectividade pessoa-a-pessoa”. Mas ainda ninguém sabe como funcionará na prática, com vistas à integração da Ásia. Washington nem liga; só quer saber de um “livre” megamercado não regulado, para as empresas norte-americanas.
Pequim vê a integração econômica da Ásia, com a APEC facilitando um acordo FTAAP, já em 2025. Desnecessário dizer que os EUA e alguns vassalos a bordo da TPP declararam, sem margem para discussão, que nenhum acordo regional ameaça(ria) a TPP. Washington estava apostando que a TPP já estaria assinada antes da reunião da APEC. Não aconteceu. Então, o Plano B é boicotar o acordo FTAAP até que a TPP esteja assinada. É o que Pequim não deixará acontecer. O pato manco terá mancar muito, de um lado para outro, sobre essa questão, no encontro privado que terão, ele e Xi, em Pequim.
Finalmente, o que dizer sobre a batalha entre Obama e o Capitólio, no campo da mudança climática? Para a maioria absoluta dos Republicanos, mudança climática e aquecimento global são conspiração do Demônio.. Fim de papo.
O pato manco e o Capitólio podem concordar, pelo menos – e sobre o que mais concordariam?! – no que tenha a ver com a Guerra Global ao Terror. Chuck Hagel, El Supremo do Pentágono e Secretário da Defesa, disse recentemente que os EUA devem estar preparados para guerras sem fim, porque “a tirania”, “o terrorismo”, desafios à segurança nacional e – surpresa! – a mudança climática constituem “ameaça” substancial.
Desde 2002, o Pentágono repete para quem se deu o trabalho de ouvir, que Guerras Sem Fim é o único negócio aberto na cidade – e, pensando bem, no universo. O pato manco talvez até festeje com suas nêmeses Republicanas, no próximo encontro para jogarem golpe. Que maravilha de mundo (de pato manco) seria esse deles!
Notas de rodapé
[1] Putin Vs. Obama: The World's Most Powerful People 2014 [“Putin x Obama: os mais poderosos do mundo 2014”], Forbes, 5/11/2014.
[2] http://online.wsj.com/article/SB10733299186635963427804580259091373963342.html">Obama Wrote Secret Letter to Iran's Khamenei About Fighting Islamic State [“Obama enviou carta secreta a Khamenei do Irã, sobre combater o Estado Islâmico”], Wall Street Journal Online (só para assinantes).
7/11/2014, Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
“Lame-duck Obama's brave new world”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Seu novo livro, Empire of Chaos, será publicado em novembro/2014 pela Nimble Books.
http://redecastorphoto.blogspot.com.br