Ban Ki-Moon (D), Secretário-Geral da ONU convida o MRE do Irã, Mohammad Javad Zarif (E)
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Uma das precondições para ser eleito secretário-geral da ONU é que o candidato tem de ser rotineiramente capaz de chutar “com efeito” e surpreender o goleiro. Mas o atual Secretário-Geral, Ban Ki-Moon, acaba de chutar uma que, em vez de mudar de rumo e “cair para dentro do gol”, mudou de direção para fora do gol, diretamente para o mato. O Secretário-Geral insiste que não sabia que estava chutando com tanto efeito; quase disse que “saiu sem querer”.
Claro, a variação é muito importante na diplomacia, e o convite de último momento que Ban fez ao Irã para que participe da Conferência Genebra-2 sobre a Síria nem foi completamente inesperado. Mas quando apareceu, surpreendeu, sim. Particularmente, Washington. A porta-voz, Jen Psaki, do Departamento de Estado pediu que Ban rescinda o convite, a menos que o Irã endosse “integral e publicamente” o Comunicado de Junho de 2002 [chamado “Genebra-1”]. A Coalizão Nacional Síria [orig. Syrian National Coalition (SNC)] ameaçou não aparecer em Genebra-2, se o Irã lá estiver.
Nota da redecastorphoto: Faltando menos de 24 horas do início de Genebra-2 Ban Ki-Moon desconvidou o Irã. O “chute com efeito” do Secretário-Geral da ONU saiu muito longe do gol!
O próprio Ban tem dito e repetido que “falou longamente” com o Ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Sharif, o qual lhe “assegurou” que “compreende” que “a base” de Genebra-2 é o texto aprovado em junho de 2012. Prima facie, parece que é o fim do mundo, menos de 72 horas antes do início de Genebra-2 marcado para amanhã, 4ª-feira (22/1/2014).
Contudo, se se analisa melhor, a arte do chute direto a gol é difícil e exige longo, dedicado treinamento para que dê o resultado que se deseja que dê. Ban, todos sabemos, jamais deu qualquer sinal de algum dia ter praticando chute direto a gol nas horas de folga. A reação de Psaki pode ter sido completa encenação? Talvez o governo Obama já estivesse informado de que Ban andava treinando tiro a gol com muita determinação e dando o melhor de si, nesses últimos dias, enquanto Genebra-2 se aproximava? Talvez... o treinador fosse Tio Sam em pessoa? Talvez tudo isso não passe de estratégia de retirada?
Psaki disse com tanto de vagueza quanto de informação que Washington até conseguiria conviver com a participação do Irã, desde que os iranianos explicitamente endossem o Comunicado de junho de 2012, embora tenha usado uma fórmula de dupla negação para dizê-lo:
É algo que o Irã jamais fez publicamente e algo que nós [EUA] dizemos claramente, há muito tempo, que é indispensável. Se o Irã não aceitar publicamente e integralmente o Comunicado de Genebra, o convite deve ser rescindido.
Teerã ainda não respondeu. Apenas registrou o recebimento do convite, registro protocolar. Considerados o engenho e a arte do pensamento dos persas, eles estão certamente formatando uma declaração em que endossem o comunicado de junho de 2012, mas de tal modo e com tais palavras que nada sugira que estejam cedendo à precondição imposta pelos norte-americanos.
Humilhações e embaraços provocados e sofridos são considerações muito importantes naquela parte do mundo. (De fato, guardo nos meus arquivos o fascinante verbete redigido pela CIA, de 1994, sobre “Face” [ing., aproximadamente “autoimagem”, “autoapresentação”], “Face” Among the Arabs). Mas, por outro lado, nada disso é, de fato, matéria substancial; é um não assunto, uma não questão, porque o Irã genuinamente nada esconde, que possa de algum modo ameaçar o processo de Genebra-2.
Além disso, Teerã certamente sabe que o governo Obama deseja que o Irã esteja lá, para Genebra-2, na 4ª-feira (22/1/2013); mas teme convidar Teerã publicamente (os sauditas subiriam pelas paredes).
Pela minha avaliação, o verdadeiro problema será o Conselho Nacional Sírio. Na língua malaiala, diz-se que “o coco sempre cai na cabeça de quem mais quer gemer...” O CNS é participante muito relutante de Genebra-2. Agora, se decidir fazê-lo, terá desculpa para pular fora.
20/1/2014, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
“Ban animates Geneva 2 on Syria”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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