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1/8/2013, redecastorphoto em: “Um espião tentou escalar o muro do Kremlin”, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Entreouvido na Vila Vudu: Mais um artigo que é uma merda: só fala de petróleo e dinheiro e trabalha a favor de mais guerra; e põe presidentes e espiões e reis como os protagonistas da história. Mas é da luta. A conversa dos dois aí interessa, sim, não porque seja tudo que temos de saber, mas porque é o mínimo que os pobres temos de saber. Ou os pobres ficaremos para sempre condenados a dar xiliques “antiguerra” ou a repetir papim metido a “humanitário” à moda Obama, ou a chorar mortos sempre pobres.
Um relatório diplomático sobre a “reunião tempestuosa” em julho entre o presidente Putin da Rússia e o chefe da inteligência saudita príncipe Bandar bin Sultan concluiu que a região compreendida entre o Norte da África e a Chechnya e do Irã à Síria – em outras palavras, todo o Oriente Médio – resultou sob a influência de um confronto direto EUA-Rússia e que “não é improvável que a coisas venham a tomar rumo dramático no Líbano, no sentido político e de segurança, à luz da decisão central dos sauditas de responder ao envolvimento do Hezbollah na crise síria”.
O relatório começa por expor as condições sob as quais se realizou o encontro russo-saudita. Lá se lê que o príncipe Bandar, em coordenação com os EUA e alguns parceiros europeus propôs ao rei saudita Abdullah bin Abdul Aziz que Bandar visitasse Moscou e aplicasse a tática de cenoura-e-porreete, frequentemente usada, e oferecesse aos russos estímulos políticos, econômicos, militares e de segurança, em troca de concessões em várias questões regionais, em especial na Síria e no Irã.
O rei Abdullah aceitou a proposta e fez contato com o presidente Putin dia 30 de julho. Em conversa de apenas alguns minutos, ambos acertaram a visita de Bandar e que o que fosse discutido permaneceria secreto. Bandar chegou a Moscou. A visita foi secreta. A embaixada saudita não seguiu o protocolo usual para altos funcionários sauditas em visita à Rússia.
Em Moscou, houve uma primeira rodada de conversas no quartel da inteligência militar russa entre Bandar e o chefe da Inteligência Militar Russa, general Igor Sergon. Falaram de cooperação de segurança entre os dois países. Bandar então visitou Putin em sua residência, nos arredores da capital, onde tiveram reunião a portas fechadas que durou quatro horas. Discutiram a agenda: questões bilaterais e várias questões regionais e internacionais nas quais os dois países têm interesses.
Relações bilaterais
No plano bilateral, Bandar transmitiu saudações do rei saudita a Putin falou da ênfase que o rei dá à importância de desenvolver relações bilaterais. Disse também a Putin que o rei abençoaria qualquer entendimento firmado naquela visita. Bandar disse também que “qualquer entendimento a que cheguemos nessa reunião será não apenas um entendimento saudita-russo, mas, também, um entendimento EUA-Rússia. Falei com os americanos antes de embarcar para cá e eles prometeram cumprir qualquer entendimento que firmemos aqui, especialmente se concordarmos no modo de abordar a questão síria”.
Bandar destacou a importância de desenvolverem-se relações entre os dois países; disse que a lógica dos interesses pode demarcar vastas áreas de cooperação. Deu vários exemplos nas arenas econômica, de investimentos, do petróleo e militar.
Bandar disse a Putin:
Há muitos valores e objetivos comuns que nos aproximam, muito especialmente a luta contra o terrorismo e o extremismo em todo o mundo. Rússia, EUA e os sauditas concordam em promover e consolidar a paz e a segurança internacionais. A ameaça terrorista está crescendo, à luz dos fenômenos que a Primavera Árabe disseminou. Perdemos alguns regimes. E o que recebemos em troca foram experiências terroristas, como se viu na experiência com a Fraternidade Muçulmana no Egito e os grupos extremistas na Líbia. (...) Por exemplo, posso dar-lhe a garantia de que serão protegidos os Jogos de Inverno na cidade de Sochi, no Mar Negro, no próximo ano. Os grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos são controlados por nós, e não se movimentarão na direção do território sírio sem se coordenarem conosco. Esses grupos não nos assustam. Nós os usamos contra o regime sírio, mas não terão papel ou influência no futuro político da Síria.
Putin agradeceu a saudação do rei Abdullah e a exposição que Bandar lhe fizera, mas disse a Bandar:
Nós sabemos que vocês apoiaram durante uma década os grupos terroristas chechenos. E aquele apoio, do qual você acaba de falar francamente, é absolutamente incompatível com os objetivos comuns de combater o terrorismo global a que você se referiu. Temos interesse em desenvolver relações de amizade segundo princípios claros e firmes.
Bandar disse que a questão não se limita ao reino e que alguns países infringiram as regras que o reino definira, como o Qatar e a Turquia. Acrescentou que:
Dissemos isso diretamente aos qataris e aos turcos. Rejeitamos o apoio que dão à Fraternidade Muçulmana no Egito e em outros pontos. O papel dos turcos hoje se tornou semelhante ao do Paquistão na guerra afegã. Não favorecemos regimes religiosos extremistas, e queremos estabelecer regimes moderados na região. Vale a pena prestar atenção e acompanhar a experiência do Egito. Continuaremos a apoiar o exército [egípcio] e apoiaremos o Ministro da Defesa general Abdel Fattah al-Sisi, porque está disposto a ter boas relações conosco e com vocês. Sugerimos que vocês fiquem em contato com ele, que o apoiem e lhe deem todas as condições para que tenha sucesso em seu experimento. Estamos prontos a firmar negócios de armas com vocês, em troca de apoio àqueles regimes, especialmente ao Egito.
Cooperação econômica e no petróleo
Bandar então passou a discutir a potencial cooperação entre os dois países, para o caso de chegarem a um bom acordo em várias questões, especialmente a Síria. Expôs longamente a questão da cooperação do petróleo e de investimentos, dizendo:
Vamos examinar um modo de implantar uma estratégia unificada russo-saudita para o petróleo. O objetivo e concordar sobre o preço e as quantidades de produção e manter estável o preço nos mercados globais de petróleo. (...) Entendemos o grande interesse da Rússia no petróleo e no gás que há no Mar Mediterrâneo, de Israel a Chipre através do Líbano e da Síria. E entendemos a importância do gasoduto russo para a Europa. Não temos interesse em competir com isso. Podemos cooperar nessa área, bem como nas áreas de estabelecer refinarias e indústrias petroquímicas. O reino pode prover investimentos de muitos bilhões de dólares em vários campos no mercado russo. O que importa é concluir um bom entendimento político em várias questões, particularmente a Síria e o Irã.
Putin respondeu que as propostas sobre petróleo e gás, cooperação e investimentos econômicos poderiam ser estudadas pelos ministérios relevantes, nos dois países.
Primeiro a Síria
Bandar discutiu longamente a questão síria. Explicou como evoluiu a posição do reino sobre a crise Síria, desde o incidente de Daraa, até o que está acontecendo hoje. Disse que:
(...) o regime sírio está acabado, no que tenha a ver conosco e com a maioria do povo sírio. [O povo sírio] não permitirá que o presidente Bashar al-Assad permaneça no comando. A chave para as relações entre nossos dois países começa por compreender nossa abordagem para a questão síria. Os russos têm de parar de dar apoio político [ao regime sírio], especialmente no Conselho de Segurança da ONU, além de apoio militar e econômico. E garantimos que os interesses russos na Síria e na costa mediterrânea não serão afetados em nada. No futuro, a Síria será governada por regime moderado e democrático que será diretamente patrocinado por nós e que será compreensivo ante os interesses russos e o papel da Rússia na região.
A intransigência da Rússia beneficia o Irã
Bandar também expôs a visão da Arábia Saudita sobre o papel do Irã na região, especialmente no Iraque, Síria, Líbano, Palestina, Iêmen, Bahrain e outros países. Disse que esperava que os russos compreenderiam que os interesses russos e os interesses dos estados do Golfo são os mesmos, face à ganância dos iranianos e ao desafio nuclear.
Putin expôs a posição de seu país sobre os desenvolvimentos da Primavera Árabe, especialmente sobre o que aconteceu na Líbia. Disse que:
(...) estamos muito preocupados com o Egito. E entendemos o que o exército egípcio está fazendo. Mas estamos sendo muito cautelosos na abordagem do que está acontecendo, porque tememos que as coisas deslizem para uma guerra civil no Egito, que custaria muito cara aos egípcios, aos árabes e à comunidade internacional. Quis fazer uma rápida visita ao Egito. E a questão ainda está em discussão.
Sobre o Irã, Putin disse a Bandar que o Irã é país vizinho, que Rússia e Irã são ligados por relações seculares e que há interesses comuns e partilhados entre os dois países. Putin disse que:
(...) apoiamos a aspiração dos iranianos de produzir combustível para finalidades pacíficas. E ajudamos os iranianos a desenvolver suas instalações nessa direção. Evidentemente, reiniciaremos as negociações com eles como parte do grupo 5P+1. Vou-me reunir com o presidente Hassan Rouhani à margem das reuniões da cúpula da Ásia Central e discutiremos várias questões bilaterais, regionais e internacionais. Informaremos o presidente Rouhani que a Rússia opõe-se completamente a o Conselho de Segurança da ONU impor novas sanções contra o Irã. Entendemos que as sanções impostas contra o Irã e os iranianos são injustas e não repetiremos outra vez a experiência.
Erdogan visitará Moscou em setembro
Sobre a questão turca, Putin falou de sua amizade com o Primeiro-Ministro Recep Tayyip Erdogan:
A Turquia também é país vizinho, com o qual temos interesses comuns. Estamos dispostos a desenvolver nossas relações em vários campos. Durante a reunião turco-russa, examinamos as questões sobre as quais concordamos e outras, nas quais discordamos. Descobrimos que temos mais ideias convergentes, que ideias divergentes. Já informei os turcos e reiterarei minha posição quando encontrar meu amigo Erdogan, que entendo que o que está acontecendo na Síria exige dos turcos uma abordagem diferente. A Turquia não será imune ao banho de sangue na Síria. Os turcos devem empenhar-se mais para encontrar uma solução política para a crise síria. Estamos certos de que o acordo político na Síria é inevitável e, portanto, eles têm de reduzir os danos. Esse desacordo com os turcos na questão síria não compromete outros acordos entre nós, no nível econômico e da cooperação em investimentos. Informamos recentemente aos turcos que estamos prontos a cooperar com eles para construir dois reatores nucleares. Essa questão estará na agenda do primeiro-ministro turco, que visitará Moscou em setembro.
Putin: Nossa posição sobre Assad não mudará
Sobre a questão síria, o presidente russo respondeu a Bandar:
Nossa posição sobre Assad nunca mudará. Acreditamos que o regime sírio é quem melhor pode falar na defesa do povo sírio, não aqueles comedores de fígado. Durante a Conferência Genebra-1, firmamos com os EUA um pacote de entendimentos, e eles concordaram com que o regime sírio participasse de qualquer tipo de discussão e acordo. Pouco depois, os EUA renegaram Genebra-1. Em todas as reuniões de especialistas russos e norte-americanos, reiteramos nossa posição. Em sua próxima reunião com sua contraparte norte-americana, John Kerry, o Ministro russo de Relações Exteriores, Sergey Lavrov destacará a importância de que se empreendam todos os esforços para que se alcance um rápido acordo que ponha fim à crise síria e que impeça que o banho de sangue prossiga.
Ao final da fala de Putin, o príncipe Bandar alertou que, à luz do rumo das conversações, as coisas provavelmente piorarão, especialmente na arena síria, embora apreciasse e agradecesse que os russos compreendam a posição dos sauditas no Egito e a prontidão com que apoiaram o exército egípcio, apesar do temor que lhes inspira o futuro do Egito.
O chefe dos serviços de inteligência saudita disse que qualquer disputa em torno da questão síria leva à conclusão de que:
(...) não há como escapar da opção militar, porque é a única escolha disponível atualmente, uma vez que o acordo político acabou em impasse. Disse que entende que a Conferência Genebra-2 será muito difícil, à luz dos acontecimentos em curso.
Ao final da reunião, o russo e o saudita concordaram em continuar a conversar, desde que aquela reunião fosse mantida secreta. Isso, antes que um dos dois lados vazasse esse relatório através da imprensa russa.
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24/8/2013, Al-Monitor
“Russian President, Saudi Spy Chief Discussed Syria, Egypt” [1]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nota dos tradutores
[1] Em 21/8/2013: Al-Safir Publishes a Comprehensive Report about Bandar’s Meeting with Putin: “You Get the Investments and the Oil Price ... But Give Us Syria!” [trad. ar.ing., Rani Geha e Sahar Ghoussoub]. Al Monitor.
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