Washington, Estados Unidos, agosto/2013 – A brutal repressão cometida pelo exército do Egito sufocou as aspirações revolucionárias por justiça, dignidade e esperança, que os jovens deste país propagaram ao mundo em janeiro de 2011.
Declarar estado de emergência e colocar o exército nas ruas é, sem dúvida, um sinal de que se alterou a revolução de 2011, que derrubou Hosni Mubarak (1981-2011).
Muitos egípcios se preocupam que as principais figuras do regime de Mubarak estejam de regresso.
O Egito poderia estar caindo em uma guerra civil e no fracasso do Estado.
A renúncia do vice-presidente, Mohammad ElBaradei, indica que os liberais egípcios, que apoiaram o exército quando destituiu o presidente eleito nas urnas, Mohammad Morsi, se dão conta das intenções das Forças Armadas de escapar da experiência democrática posterior a Mubarak.
A decisão do general Abdel Fatah al Sisi de designar mais de uma dezenas de generais da reserva como governadores em diferentes partes do Egito é outro sinal de que as forças armadas chegaram para ficar.
As maciças manifestações às quais Al Sisi se referiu como “mandatadas” para derrubar Morsi logo reaparecerão reclamando sua própria partida. Uma vez mais mobilizará a Irmandade Muçulmana e seus seguidores.
Não importa o quanto desprezem a Irmandade Muçulmana, os liberais egípcios agora percebem que um governo militar não pode ser sinônimo de democracia.
Em uma coluna publicada na IPS e no LobelLog, há um mês, alerto para a possibilidade de os militares sequestrarem a democracia no Egito. Foi isso o que fez o exército no dia 14, 44 dias depois de tirar Morsi da Presidência.
Numerosos líderes que agora trabalham no governo provisório de Al Sisi protestaram durante meses contra o governo do Conselho Supremo das Forças Armadas.
Após a queda de Mubarak, o exército, sob comando do general Mohammad Hussein Tantawi, preparou seu regresso ao poder e defendeu o governo autocrático com o argumento de combater a instabilidade e o caos. Mas, tiveram que dar um passo atrás pelos protestos de rua.
Desta vez os militares usaram um argumento semelhante e repetiram o mesmo padrão. Além de designar novos governadores, Al Sisi e o presidente interino, Adly Mansur, restituíram normas e procedimentos, bem como figuras políticas, da época de Mubarak.
Uma vez que o exército liquide a revolução, o povo do Egito sairá novamente às ruas para cobrar a volta de uma democracia genuína, mas o conflito civil, as divisões sectárias e elementos descontrolados do velho regime complicarão a recuperação da revolução de 2011.
O governo do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tentou, mas não conseguiu um acordo entre as Forças Armadas e os partidários de Morsi, que incluía a libertação de presos da Irmandade Muçulmana e o respeito ao direito de reunião e de realizar protestos pacíficos.
Este fracasso reflete a perda de influência de Washington sobre as Forças Armadas do Egito, apesar dos milhares de milhões de dólares em assistência estrangeira e militar que este país recebe dos norte-americanos.
Seja no Egito ou no Bahrein, Washington ficou preso em meio a países profundamente divididos. Segundo informes da imprensa, alguns revolucionários egípcios e partidários do governo do Bahrein já não têm interesse em receber ajuda desse país.
No Egito se considera que os Estados Unidos apoiam a ditadura militar.
No Bahrein, figuras favoráveis ao regime pensam que a presença militar norte-americana avaliza o movimento reformista, incluindo a oposição xiita, e impede que as autoridades reprimam a oposição.
A declaração do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, condenando a cruenta violência empregada pelo exército e pela polícia contra manifestantes pacíficos, foi contundente, mas ineficaz.
O exército já havia cometido sua suja ação sem medo de nenhuma condenação internacional.
Os militares do Egito já utilizaram a mídia local e agora tentam febrilmente ganhar a internacional. O regime restringiu suas atividades e proibiu alguns jornalistas estrangeiros de trabalharem no país.
Três repórteres internacionais foram assassinados no dia 14, durante uma das brutais repressões.
Os funcionários norte-americanos deveriam se perguntar qual a influência que Washington tem atualmente, se é que a tem, para incidir no terreno.
Apesar de sua posição considerada frágil na região, os Estados Unidos mantêm uma relação especial com as forças armadas egípcias.
Se os militares querem recuperar a calma no país, devem tomar várias medidas de urgência. Washington, sem dúvida, estará disposto a ajudar se pedirem.
Primeiro: os enfrentamentos violentos com manifestantes pacíficos, entre os quais membros da Irmandade Muçulmana e outros opositores, devem cessar imediatamente.
Segundo: a restituição de um governo civil, mediante eleições parlamentares e presidenciais, deve ocorrer nos próximos meses. Todo os partidos e grupos políticos, incluída a Irmandade Muçulmana e outros islâmicos, devem poder participar sem temores nem intimidações.
Terceiro: todos os presos políticos, incluindo o deposto presidente Morsi e os dirigentes da Irmandade Muçulmana, devem ficar livres imediatamente e receber um convite para participar de um diálogo de reconciliação nacional sob patrocínio de Al-Azhar.
Quarto: as Forças Armadas do Egito são plenamente conscientes de que a estabilidade deste país é fundamental para a estabilidade do Oriente Médio, mas esta não pode ser imposta à ponta de pistola.
Se o Egito não restituir um governo civil, não é impensável que se instale o caos, haja violência política, comece uma guerra civil e, possivelmente, se destrua o Estado. Envolverde/IPS
* Emile Nakhleh é ex-funcionário de inteligência, professor da Universidade do Novo México e autor do livro A Necessary Engagement: Reinveenting America’s Relations whit the Muslim World and Bahrain. Political Development in a Modernizing Society (Um compromisso necessário: reinventando as relações dos Estados Unidos com o mundo muçulmano e o Bahrein. Desenvolvimento político de uma sociedade que se moderniza).