Irmandade Muçulmana pretende seguir nas ruas do Egito

Em entrevista à Carta Maior, o porta-voz da Irmandade Muçulmana em Londres, Mona Al-Qazzaz, fala sobre a situação política no Egito e sobre a repressão militar contra os manifestantes que querem a volta do presidente deposto Mohammed Morsi. Para Al-Qazzaz, o chefe do exército egípcio, general Abdel Fattah al Sisi, é “um assassino que deve ser levado à Justiça”. Por Marcelo Justo, de Londres

As primeiras informações sobre uma possível libertação do ex-presidente egípcio Hosni Mubarak chegam em meio à entrevista da Carta Maior com o porta-voz da Irmandade Muçulmana em Londres, Mona Al-Qazzaz. “Não surpreende. Muito pelo contrário. Deixa bem claro a natureza deste governo ditatorial”, assinala Al-Qazzaz. Não há confirmação oficial da afirmação do advogado de Mubarak, mas a mera possibilidade de que o ex-ditador egípcio, derrubado em 2011 pela primavera árabe, recupere a liberdade mostra a vertigem que vive o Egito nestes dias.

A Irmandade Muçulmana, principal apoio do deposto presidente Mohammed Morsi, foi fundada em 1928 para que o Corão fosse “o guia da conduta individual e do Estado”. Acusados de autoritarismo, sua presença foi um foco para os protestos liderados por setores seculares contra o governo de Morsi, que conduziram ao golpe de estado de 3 de julho. Desde então, mais de 800 pessoas morreram nas manifestações em defesa do retorno de Morsi ao poder. Em um suspeitíssimo incidente neste fim de semana, 36 presos morreram durante uma “tentativa de fuga”, enquanto que em Rafah, cidade na fronteira com Israel no Sinai, grupos armados islâmicos armaram uma emboscada para a polícia egípcia que deixou um saldo de 24 policiais mortos.

O chefe do exército, general Abdel Fattah al Sisi disse que há lugar para todos na construção da democracia. Qual é a resposta da Irmandade Muçulmana a essa afirmação?

Al-Qazzaz – Ele não tem nenhum direito de decidir quem entra ou quem não entra na construção da democracia egípcia. Só os egípcios podem decidir quem participa da democracia. Al Sisi é um assassino que matou egípcios como nunca ninguém havia feito antes. O caso dos 36 presos é um exemplo perfeito do que está fazendo. Não houve uma tentativa de fuga. Foi um assassinato a sangue frio. Uma violação a mais dos direitos humanos por parte dessa junta militar. Deveria ser levado perante a justiça.

Dado que o exército não vai depor as armas ou levar al Sisi à justiça, que política vocês vão adotar para atingir seus objetivos?

Al-Qazzaz – Vamos seguir protestando de maneira pacífica até que possamos recuperar nossa democracia. Nosso primeiro objetivo é que os criminosos no governo sejam levados à justiça e paguem por seus crimes. Em segundo lugar, queremos a restauração das instituições democráticas. Em terceiro, que os militares voltem aos quarteis e se dediquem a proteger a soberania do Egito. Em quarto lugar, necessitamos de uma reconciliação nacional no país entre diferentes setores. A Junta Militar favoreceu a polarização. Queremos chegar a um acordo com os outros setores.

Mas antes do golpe de estado, quando Mohammed Morsi estava no poder, a sociedade já estava dividida. Muitos acusam Morsi de islamizar a sociedade, aprovando por decreto uma constituição pró-islâmica.

Al-Qazzaz – A constituição não era pró-islâmica. Ela foi escrita por um comitê eleito pelo parlamento e aprovada por um referendo. Agora temos uma junta que está escrevendo a nova constituição. Não tem nenhum direito de fazer isso. Na democracia, há mecanismos para protestar e inclusive para destituir um presidente por meio de um processo legal. Um golpe de estado não é o caminho. Meus compatriotas, entre eles muitos amigos meus, estão sendo assassinados a sangue frio. Não sei se minha família está bem ou não. Os direitos humanos mais elementares estão sendo violados diariamente.

Entre os setores seculares percebeu-se o golpe como uma saída para o autoritarismo de Morsi e a propostas como a de encerrar os negócios às dez da noite para que as pessoas estivessem bem descansadas para rezar pela manhã.

Al-Qazzaz – Reitero que não se islamizou a sociedade. O golpe de estado é uma prova disso. Se ela tivesse sido islamizada, o golpe não teria ocorrido. Quanto ao descontentamento, não surpreende a sua existência. É o que ocorre numa democracia. Hoje os egípcios estão protestando nas ruas. Os massacres não vão dissuadi-los. Muito pelo contrário. Há cada vez mais gente protestando.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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