O déficit que não existe

... e outras mentiras que você já escutou sobre a Previdência

1. A Previdência Social teve um déficit de 42 bilhões de reais em 2006.


Este é resultado da subtração entre a arrecadação de contribuições sobre a folha de salários e o gasto com o pagamento de benefícios. Acontece que essas contribuições não são as únicas fontes de recursos da Previdência. Concluir daí que ela é deficitária faz tanto sentido quanto dizer que um cidadão que tem três empregos está no vermelho porque o salário de um deles não cobre todos os seus gastos.

A Previdência perde arrecadação por conta de isenções concedidas pelo governo a alguns setores (pequenas empresas, entidades filantrópicas, exportadores). Em fevereiro deste ano, o MPAS mudou a forma de cálculo do resultado previdenciário para incluir na soma das receitas do INSS o que deixa de ser arrecadado por causa disso. Por este critério, o déficit cai pela metade.

Mas esta tampouco é a maneira correta de calcular o resultado da Previdência. O ministério não leva em conta a arrecadação da Cofins, CSLL e CPMF – tributos destinados à Seguridade Social. A professora Denise Gentil, do Instituto de Economia da UFRJ, faz a conta considerando estas receitas. O resultado é um superávit de R$ 1,25 bilhão em 2006. O INSS tem, ainda, um crédito de R$ 156 bilhões a receber de empresas sonegadoras, de acordo com estimativas da Advocacia Geral da União (AGU).

2. O gasto previdenciário, como proporção do PIB, é alarmante e não para de crescer.

A relação despesa do INSS/PIB indica a proporção da renda nacional apropriada pelos beneficiários da Previdência: aposentados, pensionistas e trabalhadores afastados por doença ou acidente. Está em 8% - proporção semelhante à que se gasta para remunerar especuladores através do pagamento de juros da dívida pública. Os beneficiários do INSS são 20 milhões; os proprietários de títulos da dívida, 20 mil.

O problema, se existe, não está na Previdência, mas no PIB, que, desde 1980, cresce a taxas irrisórias. Segundo o economista Amir Khair (1), ex-secretário de Finanças da prefeitura de São Paulo, se o  PIB tivesse crescido a uma média de 5% ao ano entre 95 e 2006, a relação entre o gasto previdenciário e a riqueza produzida no país teria permanecido inalterada mesmo com o crescimento, em números absolutos, do volume dispendido com pagamento de benefícios.

3. A mudança para o regime de capitalização ajudará a ampliar a poupança interna necessária à promoção do crescimento.

Em 1994, a Argentina adotou um modelo previdenciário semelhante ao que está sendo proposto para o Brasil. Daquele ano até 2001, o Estado deixou de arrecadar 70 bilhões de dólares a título de contribuição previdenciária – montante absorvido pelos fundos privados. Esta soma cobriria o endividamento que resultou na bancarrota de 2001.

É o dinheiro da Previdência que sustenta os demais gastos do Estado, e não o contrário. A médio prazo, a adoção do regime de capitalização agravará o problema fiscal em vez de resolvê-lo, já que o Estado deixará de arrecadar esse dinheiro, ou ao menos parte expressiva dele, se os trabalhadores passarem a descontar para instituições financeiras.

4. A combinação entre a queda das taxas de natalidade e a ampliação da expectativa de vida cria uma bomba-relógio demográfica que torna inviável o regime de repartição.

Esta pode ser a situação de alguns países europeus. Está longe de ser a do Brasil. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a expectativa de vida aqui, em 2006, era de 71 anos; na Alemanha, era de 79. O número médio de filhos por mulher, no Brasil, era de 2,1, sendo que a queda é recente; na Alemanha, está estagnado há tempos em 1,3.

A atual pirâmide etária brasileira é o melhor dos mundos para o sistema previdenciário. A população idosa (acima de 65 anos) é apenas 9% daquela em idade de trabalhar (15 a 64 anos). Na Bélgica, França, Alemanha, Finlândia e Suécia, esta proporção é de 27%. Seus sistemas de Previdência pagam benefícios muito mais altos que os do INSS e cobrem um leque mais amplo de situações.

O que é de fato preocupante é a baixa proporção da população coberta pela Previdência. Em 2005, de uma população economicamente ativa de 96 milhões de pessoas, 9 milhões estavam desempregadas. Dos 87 milhões que exerciam alguma forma de atividade remunerada, apenas 31 milhões contribuíam o INSS. O problema da baixa proporção entre ativos e inativos não está na pirâmide etária, mas na política econômica que faz grassar o desemprego.

5. No Brasil, as pessoas se aposentam muito cedo. É necessário instituir uma idade mínima para evitar que a Previdência quebre.

A idade média de aposentadoria no Brasil é de 61 anos, contra 58 na Bélgica e 60 na Itália, Argentina e China. Entre os países ricos, a idade média de aposentadoria mais alta é a do Japão: 67 anos. Acontece que a expectativa de vida lá é de 80 anos, ou seja, o trabalhador japonês recebe seu benefício por mais tempo que o brasileiro. Há países que adotam idade mínima mas nem por isso deixam de ter gastos previdenciários expressivos com adultos em idade produtiva. Na Alemanha, o salário-família é de 154 euros por filho e pode ser pago até que a “criança” complete 27 (vinte e sete) anos.

Impedir o trabalhador de se aposentar não melhora as contas da Previdência. A relação gasto do INSS/PIB saltou de 5 para 7,3% no período 1995/2004, justamente quando que mais se restringiu o acesso aos benefícios previdenciários no Brasil. A explosão do desemprego – que atingiu principalmente os maiores de 50 anos – e a insegurança gerada pelas sucessivas restrições de direitos levaram quem já podia se aposentar a fazê-lo, mesmo nas piores condições possíveis, por falta de opção ou medo de não conseguir fazê-lo depois.

(*) Jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social. Porto Alegre/RS.
Notas
1) Revista Problemas Brasileiros nº 380. São Paulo, SESC/SP, março/abril de 2007.
2) Marcelo Abi Ramia Caetano, Determinantes da sustentabilidade e do custo previdenciário: aspectos conceituais e comparações internacionais. Brasília, IPEA, outubro de 2006 (texto para discussão nº 1226). 

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