No retrato, tirado à beira de um rio, o rosto dela aparecia contra o fundo de um dia de verão. O céu tomava a cor dos raios do sol, que projetavam-se sobre a água.
Ela estaria, agora – imaginava ele – como no retrato: feliz e coberta de sol – o sol do nordeste, para onde ela se mudara, mas que poderia ser o do Vietnã, para onde ela, brincando, convidara-o a ir um dia – , mesmo em pleno mês de agosto. Talvez também de mar.
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L. parecia ter um sol dentro do peito, a queimá-la por dentro e irradiar-se sobre quem dela se aproximava. Seus olhos transmitiam sempre esse calor. Às vezes, por meio de uma luz calma, que lembrava mais o luar. Em outras, como se ela se incendiasse por dentro e o olhar soltasse faíscas.
O sol de L. aquecia-lhe o corpo e o sangue, fazendo-o correr em suas veias com uma intensidade que se refletia em seus gestos.
Esse impulso era o que guiava suas mãos e dava-lhes força.
Ele se lembrava da primeira vez que as sentira e daquelas em que, esquecendo por um instante algumas conveniências, haviam caminhado pela rua com as mãos entrelaçadas. As dela eram firmes e macias. Mãos de mulher acostumada desde cedo ao trabalho, simultaneamente resolutas e delicadas.
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L. era uma mulher incomum. A impressão de que tivesse saído de um livro ou de um filme desvanecia-se, porém, diante da impossibilidade de que alguém conseguisse criar um personagem assim.
L. só podia ser como era justamente por ser uma mulher de carne e osso. Qualquer tentativa de descrevê-la sobre o papel resultaria num pálido esboço. E para levá-la à tela, seria preciso antes encontrar uma atriz à sua altura.
Se fosse uma personagem, seria a protagonista de um romance denso, de umas 600 páginas, que o escritor não saberia como terminar. Todas as soluções que cogitasse pareceriam artificiais, porque o único desfecho coerente para uma personagem assim seria que ela mesma determinasse o final da história.
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Na foto, ela sorria, os lábios tingidos de um vermelho forte, e parecia retribuir o olhar de quem fixasse a vista, por um momento que fosse, na imagem. O verde dos olhos era tão intenso quanto o vermelho do batom.
As faces eram rosadas, sempre. No verão, eram coradas pelo calor que vinha de fora, como na foto que ele tinha sobre a mesa. No inverno, refletiam o que vinha de dentro.
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Era impetuosa – esse um de seus traços mais marcantes. Buscava viver sempre seus desejos, fossem da espécie que fossem. Mas era também obstinada. Uma vontade repentinamente surgida transformava-se, para ela, num objetivo que ela passava a trabalhar metodicamente para atingir. Com esses dois traços – característicos de um temperamento forte que ela de fato possuía – , sabia, ainda, ser inigualavelmente doce com quem queria bem.
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Mesmo em noites de muito frio – ou de muito calor – , dormiam sempre sentindo o contato da pele e as batidas do coração um do outro. Essa proximidade era como que uma reafirmação do vínculo que se estabelecera entre eles.
O corpo dela era sempre quente. Quase febril, ao deitar-se; depois, tomado da mesma calma que se refletia em seus olhos e na expressão de doçura que tomava conta do rosto até que eles se fechassem. Às vezes acordava no meio da noite, novamente febril.
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Isto havia acontecido no ano anterior, antes que ela partisse rumo ao nordeste. Assim ele havia se protegido dos restos de frio que atravessam setembro.
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Agora que L. estava longe, o inverno parecia querer vingar-se por aquelas semanas de setembro em que ele refugiara-se dos últimos restos do frio no calor do olhar e do corpo dela. Junho, julho e agosto eram os mais frios dos últimos anos.
Naqueles três meses, o sol brilhara um único dia. Na noite da véspera do dia em que ela fazia aniversário, a temperatura começou a elevar-se. O dia do aniversário dela foi um dia de verão. À meia noite em ponto, o frio voltou.
Ele pensava nisso aquela noite. Com o aparelho de som ligado, ouvia – mais dentro de si do que vinda de fora – os versos de Eduardo Falu e Jaime Dávalos na Tonada del Viejo Amor, e via a imagem dela à sua frente:
No tengo miedo al invierno
com tu recuerdo lleno de sol.
- Henrique Júdice Magalhães