Em vez de pincel e quadro-branco, violão. Assim, as aulas expositivas ganham um tom diferenciado – e são dadas literalmente em diferentes tons. Os fatos históricos do Brasil e do mundo são contados, ou melhor, cantados em acordes de letras de compositores da música popular brasileira como Noel Rosa e Chico Buarque. Quem utiliza a musicabilidade para ensinar história e literatura é Ramiro Bicca, professor em duas escolas privadas e em uma pública, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Graduado em história e mestre em literatura pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutor pela Unisinos, a paixão de Bicca pela música é nutrida desde os 14 anos, quando já tocava violão e gostava de compositores dos anos 1930 e 1940, como Chico Buarque. Decidiu então unir a música à licenciatura. “Trabalho como professor de história e literatura. Nas horas vagas também sou músico. Aliás, poderia ser o contrário”, brinca.
A música é usada por Bicca de diferentes formas para ensinar os conteúdos. Uma delas é usar canções já existentes, normalmente de compositores como Chico Buarque, que tratam de épocas marcantes como a do Regime Militar. Em sala de aula, Bicca toca a música e, em seguida, junto com os alunos, identifica as características da sociedade naquela época. “Isso faz com o que o aluno interaja melhor com o conteúdo”, diz. Em outro caso, como no samba “Com que roupa?”, de Noel Rosa, Bicca explica como, em 1929, o Brasil e o mundo capitalista, que estavam começando a entrar em crise por conta da queda da bolsa de Nova Iorque, precisavam mudar de conduta.
“A música popular é uma forma de fazer com que os estudantes abram os olhos para outra perspectiva, para pensarem de uma forma mais completa. A arte de uma maneira geral tem poder de despertar sensibilidade dos alunos. A aprendizagem não passa apenas pelo racional, mas pelas sensações. Quando você desperta os dois lados, parece ser mais fácil ensinar”, diz.
No vídeo abaixo Bicca canta e toca a música “Até amanhã”, de Noel Rosa
Outra estratégia empregada pelo professor é a de usar canções de artistas contemporâneos, que não tenham vivido em determinadas épocas, mas que retratam com o olhar atual certos períodos históricos. “Toco a música e os alunos precisam comentar qual o ponto de vista do compositor hoje sobre o acontecimento passado”, explica.
Já para os fatos históricos em que não há músicas compostas, é o próprio Bicca quem compõe as letras, como na canção em que fala sobre o Iluminismo ou sobre o Naturalismo, em forma de blues. “É importante salientar que a canção não é aula, mas um aprofundamento”, diz. Talvez o grande diferencial de Bicca em relação aos famosos professores de cursinho – que trabalham música para que os alunos memorizem conteúdos – está justamente em sua principal meta não ser esta. “Estamos trabalhando um contexto artístico, cultural que traz um conhecimento geral, um olhar mais amplo como é cobrado em provas como o Enem”.
O recurso, afirma, tem ajudado os alunos na hora da avaliação. “Eles costumam se lembrar dos versos das músicas e, a partir de um estrofe, conseguem explicar todo o restante do conteúdo”. Ainda segundo ele, os pais passaram a ir a escola com mais frequência, “para conhecer o professor que toca na aula”. “Muitos afirmam que os filhos não param de falar em tal música em casa. Tudo isso também ajuda a contribuir para que a música popular seja passada”, diz.
* Publicado originalmente no site Porvir.