Uma pergunta raríssima foi feita pelo Centro Ruth Cardoso para estudantes durante a primeira edição do Festival Educação: o que você faria pela melhora do ensino e da sua escola?
As mais de 400 ideias analisadas por uma comissão levaram a uma relevante conclusão: nas 9 escolas participantes, programas ligados à expressão do aluno (artes ou comunicação) predominaram. Junto com essas, estão aquelas ligadas ao esporte, leitura, escolha de profissão e melhora de estrutura física da escola.
Não foram as mais originais, pois apareceram aos montes, mas denotaram uma questão comum: a escola parece ainda fechar ouvidos e canais de expressão aos seus estudantes. Não sem motivo, essas ideias recorrentes foram chamadas de “gritos” pela organização do Festival e tiveram atenção especial.
O “ecossistema de comunicação” de uma instituição, que é como o educador Jesus Martin-Barbero costuma definir o fluxo de comunicação e poder, ainda é domínio de adultos na escola. Professores reclamam historicamente da remuneração, funcionários clamam por melhoras na estrutura de trabalho e os diretores são freqüentemente questionados sobre sua capacidade de gestão. Mas e o estudante? O que ele pensa sobre isso? Com que escola ele sonha?
O principal beneficiário e interessado, para qual todo o sistema foi estruturado, o aluno costuma passar longe desse rodízio de “mea culpas” e cobranças públicas e somente é lembrado quando avaliado, por seus professores, por indicadores nacionais ou internacionais.
Isso nos fez lembrar justamente uma aula. O Prof. Dr. José Miguel Wisnik certa vez identificou a raiz da palavra adolescente. Segundo ele, adolescente, do latim, é aquele que exala um perfume. Ou melhor, que está exalando neste momento (gerúndio) um olor. A poética do significado define bem o estágio da vida em que mais estamos propícios a criação, descobertas e inquietações.
A falta de expressão do estudante na construção da escola se reflete nas principais pesquisas sobre evasão escolar. Recentemente o fator “desinteresse” vem liderando a lista de motivos para que os jovens deixem de freqüentá-la. Construímos um modelo escolar feito por adultos sem qualquer participação de jovens e crianças; a cultura do jovem passa longe do ambiente estéril da sala de aula.
Qualquer sistema de avaliação, que se diz 360 graus, deveria colocar o estudante como uma das principais fontes de informação. Afinal, quem pode saber qual o melhor professor, a melhor estrutura, o melhor método e as melhores saídas para um ensino do que aquele para qual a escola foi feita?
Aquelas instituições consideradas de excelência no Brasil, inclusive as particulares, costumam estimular os alunos a avaliar ao menos o trabalho dos docentes. Pode soar estranho à princípio, mas é a avaliação do aluno sobre o professor que mais provoca transformação no seu trabalho, pois toca diretamente a auto-estima e o propósito de vida desse profissional.
Mas na grande maioria das instituições, tem cabido tão somente a práticas isoladas elevar o grau de participação do estudante nas questões escolares; algumas delas lideradas por professores e diretores estimulados, e outras por organizações do terceiro setor que trabalham nos limites entre escola e comunidade. O grêmio estudantil fortalecido e autônomo de algumas têm criado ambiência para que próprios estudantes tomem conta dessa questão.
As práticas de comunicação a arte, cujas ferramentas hoje estão acessíveis às pontas dos dedos nos celulares, também têm sido utilizadas por algumas instituições para dar voz aos alunos. Documentários, blogs, sites e aplicativos são criados por eles em escolas que adotaram programas em seu contra-turno.
Educação de qualidade, esse mote que começou a ser utilizado após a quase universalização do ensino, deve ser seguido sempre das perguntas “para quem?”, “para quê?”. Ora, se a cobrança de uma educação de qualidade se reflete no aprendizado do estudante, parece óbvio que este deva ter alguma ingerência nas definições do que é constituída essa tal qualidade. Nesse sentido, o Festival Educação, que estimula os alunos a pensar sobre suas escolas, parece um modelo simples e barato para acelerar processos decisórios coletivos nas escolas.
Já é passado o momento para que gestores de políticas públicas comecem a prestar atenção no que pensam os estudantes. Há outras redes, como o Facebook, que já fazem esse papel de escuta; as manifestações que se iniciaram em junho já mostraram que podem faltar ruas para tanto desabafo.
* Este artigo foi produzido em parceria com a professora doutora do Departamento de Sociologia da Unicamp, Gilda Portugal Gouvêa. Alexandre Sayad é jornalista especializado em direitos humanos, colaborou com O Estado de S. Paulo e Rádio Eldorado, e coordena programas de Civic Midia, com a Universidade de Harvard.
** Publicado originalmente no site Portal Aprendiz.