O Supremo Tribunal Federal decidiu em abril de 2010 que uma tirania pode anistiar a si própria.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no final do ano, reafirmou o entendimento civilizado da questão: não pode, caso contrário os déspotas e seus esbirros nunca mais serão punidos em lugar nenhum. Só os governos democráticos subsequentes têm legitimidade para julgar os crimes cometidos pelos agentes do Estado durante o período de exceção.
A OAB entrou com recurso questionando a decisão do STF à luz da manifestação posterior da Corte Interamericana. E o Governo Federal ficou ao lado do STF, contra a Corte (que, embora sendo um órgão judicial autônomo, geralmente tem suas decisões acatadas pelos países membros da OEA).
Assim, o parecer do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, alinhou-se com a inacreditável decisão do STF de não rever a anistia de 1979 -- aquela que igualou as vítimas a seus carrascos.
Tratou-se de mais um recuo chocante da presidente Dilma Rousseff, depois de ceder à direitalha também na questão do sigilo eterno dos documentos oficiais ditos ultrassecretos. Como a repercussão foi péssima, mudou de idéia novamente e decidiu aceitar seja lá o que for que o Senado decida...
Voltando à validação da chantagem de 1979 (aceitar aquele arremedo de anistia foi o preço cobrado dos democratas em troca da libertação dos presos políticos e permissão de volta dos exilados): foi o pior desfecho possível, pois avalizou-se uma aberração jurídica e política, legando um péssimo precedente aos pósteros.
Melhor teria sido um pacto entre os interessados, no sentido de se rever, sim, a Lei da Anistia, para determinação inequívoca da responsabilidade de quem ordenou, executou ou consentiu que fossem cometidas todas aquelas atrocidades; mas, com o Estado brasileiro, em seguida, utilizando sua prerrogativa de não punir tais monstros, em razão, digamos, de motivos de ordem humanitária.
Vamos abrir o jogo: a alta oficialidade ganhou no grito, fazendo o governo crer que as Forças Armadas não admitiriam o encarceramento ou a imposição de penas pecuniárias aos Ustras e Curiós.
Cheira a blefe -- os oficiais mais jovens dificilmente arriscariam suas carreiras para solidarizarem-se a tão execrados gorilas --, mas Lula não quis e Dilma não quer pagar pra ver.
É patético, contudo, que não se tenha chegado a um epílogo menos vexatório para o Brasil.
A prisão dos torturadores e a oficialização de sua impunidade eram os extremos; faltou engenharia política que viabilizasse um meio termo.
Ao invés da retirada organizada, entretanto, tivemos a debandada em pânico. E rendição incondicional nunca foi a melhor atitude para um governo.
* jornalista, escritor e ex-preso político. http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com