O desespero de final de campanha
deixou a imagem do Serra em cacos
Durante a última campanha presidencial, cansei de recriminar as baixarias com que José Serra tentou virar um jogo perdido, insultando a inteligência do eleitorado mais sofisticado sem que isto sequer lhe rendesse dividendos junto aos mais suscetíveis à demagogia rasteira.
A querela sobre o aborto e as suspeitas de totalitarismo ("estado policial") que ele e seu truculento vice tentavam lançar sobre o governo do PT, como se quisessem provocar uma nova Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, só serviram para tornar dupla a derrota: na urna e na imagem dos tucanos.
Fazendo do aborto um cavalo de batalha, repetindo a retórica nefanda das viúvas da ditadura e tentando travestir um incidente banal de campanha em terrível agressão à democracia, Serra se evidenciou:
- um político oportunista, capaz de descer até o esgoto para ganhar eleições; e
- um péssimo estrategista, pois dilapidou inutilmente a respeitabilidade que ainda lhe restava, depois de já a ter comprometido em muito ao, como governador, ordenar a entrada da brutal tropa de choque da PM no campus da USP, decisão inadimissível e chocante sendo ele um antigo presidente da UNE.
Antigo perseguido político, Serra
reeditou a truculência ditatorial
Vai daí que, no vácuo decorrente do esvaziamento da liderança de Serra, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso procura reafirmar-se como o principal líder do tucanato, capitalizando exatamente os erros cometidos na reta final da campanha presidencial, com análises como esta:
"Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os 'movimentos sociais' ou o 'povão', falarão sozinhos".
Segundo FHC, a presidente Dilma Rousseff tem um estilo "contrastante com o do antecessor" e que "pode envolver parte das classes médias" que "mantiveram certa reserva diante de Lula".
O porrete fracassou,
volta o raposismo...
Então, ele aponta ao PSDB a prioridade de evitar que isto ocorra, disputando com Dilma os corações e mentes da nova classe média produzida pelo crescimento econômico dos últimos anos, cuja influência tende a crescer cada vez mais a partir das redes sociais da internet.
Não é à toa que o velho sociólogo chegou à Presidência da República duas vezes, enquanto o velho líder estudantil só alcançou vitórias eleitorais obrigatórias, no Estado que tem sido feudo tucano nas últimas décadas.
Se a oposição agora seguir a batuta de FHC, um ganho haverá para a política brasileira, inclusive para Dilma: ficarão afastadas as hipóteses de turbulência institucional.
Melhor assim, para um país que atravessou mais de um terço do século passado sob ditaduras.
* jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com