A brava companheira Ana Helena Tavares me repassou um dos muitos e-mails falaciosos e asnáticos que a rede virtual fascista propaga, seguindo a metodologia de Goebbels (foto), no afã de garantir a volta da direita mais retrógrada ao poder no Brasil.
O título é Candidata à Presidência processa o Brasil.
Para dar uma idéia do conjunto da obra, bastam os parágrafos iniciais:
"A candidata Dilma Rousseff (PT) está movendo um processo contra o Estado brasileiro. Ela está requerendo indenização pelos tempos em que militou na guerrilha armada, tentando implantar o comunismo no Brasil.
"Enquanto esteve na guerrilha, o grupo guerrilheiro do qual participava ativamente assassinou soldados, praticou atentados à bomba, roubou cofres, seqüestrou.
"Desde 2002, Dilma está processando o Estado. O processo já teve 23 movimentações.
"Agora chegou ao gabinete do Presidente Lula. É importante saber quanto a Dilma quer ganhar...", blablablablá.
Vejam quantas besteiras estão contidas em tão poucas linhas:
- Dilma não está processando o Brasil (procedimento judicial), mas sim inscreveu-se num programa da esfera administrativa, instituído pelo Estado brasileiro durante o governo FHC (!), pela medida provisória 2.151, de 31/05/2001, que o Diário Oficial da União publicou no dia seguinte;
- tal programa segue recomendação da ONU, segundo a qual uma das quatro prioridades dos países que se redemocratizam é ressarcir os cidadãos que sofreram graves agressões a seus direitos durante o regime de exceção;
- ela está requerendo reparação pelas torturas e pela detenção ilegal (todas o eram!) que sofreu ao exercer seu legítimo direito de resistência à tirania, o qual remonta à Grécia antiga, berço da democracia, e hoje é reconhecido em todo o mundo civilizado, pouco importando se tal resistência se dá pela não-violência do Gandhi ou pelos atentados dos partisans que combatiam o nazifascismo (cujas ações, por sinal, eram extremamente mais agressivas que as dos resistentes brasileiros);
- no curso das lutas de resistência ao despotismo, é totalmente indiferente a finalidade última dos combatentes, se depois pretenderiam implantar o comunismo, a monarquia, o estado teocrático, o canibalismo ou o que quer que seja. Importa é se o poder estava sendo exercido por usurpadores, que nele se mantinham pela força -- e era este o caso brasileiro. Elocubrações sobre eventos posteriores (e que acabaram não ocorrendo) são irrelevantes à luz do Direito e até do senso comum. Havia que derrubar uma ditadura bestial e sanguinária. Todos os que lutaram com este objetivo estavam certos em fazer o que fizeram. O que viria depois é mera hipótese;
- os integrantes dos grupos guerrilheiros dos quais Dilma participou são hoje considerados pelo Estado brasileiro como vítimas dos terroristas de estado que os sequestraram e barbarizaram, assassinando centenas deles (em combate, devido a excessos cometidos durante as sessões de tortura ou por execuções a sangue frio). São heróis e mártires do povo brasileiro. Vilãos e criminosos foram os outros;
- o número de movimentações do processo é um detalhe burocrático que, em si, nada significa. Quanto ao fato de que os trâmites vêm desde 2002, é um ponto a favor de Dilma: prova que ela não usou influência política para agilizar o andamento, submetendo-se à mesma morosidade imposta aos outros anistiandos;
- também é irrelevante quanto a Dilma pretenderia receber ao ingressar no programa, já que não cabe ao pleiteante opinar sobre o valor. A Comissão de Anistia é que resolve se o caso faz jus a uma indenização em parcela única ou a uma pensão mensal continuada. Nas duas hipóteses, há critérios objetivos para fixação da quantia, como o número de meses em que o anistiando passou preso ou perseguido, o prejuízo dimensionável que a perseguição acarretou à sua carreira, etc. Têm de ser apresentadas provas, testemunhos, planilhas de cargos e salários fornecidas por sindicatos, etc. O anistiando nada pede, senão que lhe façam justiça. O resto é da alçada da Comissão, que, aplicando as regras do programa, apresenta suas recomendações ao ministro da Justiça (o qual pode aceitá-las ou não).
Finalmente, vale notar a existência de uma afirmação tão tola que serve até como alívio cômico: o processo jamais chegaria ao presidente Lula, que nada tem a ver com os encaminhamentos práticos desse programa, inteiramente da alçada do Ministério da Justiça.
O gabinete no qual hoje se encontra é apenas o do presidente da Comissão de Anistia do MJ, Paulo Abrão...
* Jornalista, escritor e ex-preso político. http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/