Raimundo Rodrigues Pereira (foto) foi um dos maiores nomes da resistência jornalística à ditadura militar e da luta para a afirmação de uma imprensa alternativa.
Trabalhou em redações memoráveis como a da revista Realidade e a dos primórdios da Veja.
Nesta última foi responsável pela investigação que resultou na histórica matéria de capa sobre torturas, logo após o assassinato, em dependências militares, do jovem Chael Charles Schreier, companheiro de militância de Dilma Rousseff na VAR-Palmares.
Ilustrada por uma gravura de torturas medievais, essa reportagem deu um recado contundente e irrefutável: o que se fazia no Brasil do final de 1969 era reviver os horrores da Inquisição.
Calibã detestou ver sua imagem no espelho. Na semana seguinte os militares cuidaram para que tão cedo seus crimes não voltassem a ser tão cruamente expostos à opinião pública, promulgando o AI-5.
Depois, como fundador dos jornais alternativos Movimento, Opinião e Retrato do Brasil, Raimundo continuou mantendo viva a chama do verdadeiro jornalismo.
Então, merece respeito seu livro O Escândalo Daniel Dantas - Duas Reportagens, em fase de lançamento, resultado da avaliação de 10 mil páginas de documentos, dezenas de entrevistas e 15 horas de conversas com Daniel Dantas.
Segundo Élio Gaspari, não se trata de fazer o vilão parecer mocinho, mas sim de comprovar que não havia mocinho nessa história, pois eram todos vilães:
"O repórter expõe teatralidades e inconsistências da Operação Satiagraha, com a apresentação de grampos manipulados, diligências espetaculares e tolices em matéria financeira.
"O leitor (...) poderá atravessá-lo sem mudar de opinião sobre Dantas, a privataria, o PT e os companheiros dos fundos de pensão, mas perderá muitas de suas certezas. Sua utilidade está em permitir que não se continue acreditando em espetáculos e narrativas inconsistentes".
A análise de Raimundo evidencia que o papel da Rede Globo foi deplorável como sempre, ajudando uma das facções que disputavam um riquíssimo nicho da telefonia a prevalecer sobre a outra e oferecendo um boi de piranha à execração pública para que o resto da boiada continuasse incólume:
"...fica evidente que o delegado [Protógenes Queiroz] não apenas deu à Globo a exclusividade de cobertura da prisão de Daniel Dantas. Ele usou funcionários da emissora, no papel de policiais, para gravar a famosa conversa no restaurante El Trenvía exibida no Jornal Nacional. Protógenes dissera ao juiz Fausto De Sanctis que a gravação havia sido feita pela Polícia Federal. Era mentira. A prova maior está na fita sem cortes, encontrada na busca policial do dia 5 de novembro de 2008 num dos locais em que o delegado morava, o apartamento 2.508 do Shelton Inn, em São Paulo.
“Na gravação em vídeo encontrada com Protógenes, aparecem os dois cinegrafistas da equipe da Globo que fizeram o trabalho, Robinson Cerantula e William Santos. Eles surgem testando a câmera diante de um espelho – com o que se incluíram na fita".
Foi exatamente o que eu afirmei na época. Nada mais era do que uma guerra de gangues travada no coração do poder, com os atores movidos por interesses inconfessáveis (sendo o butim de bilhões, fizeram tudo que estava a seu alcance para garantir uma fração) e/ou compulsão por holofotes.
De todos, o mais patético foi o laranja que entrou na parada e cometeu desmandos por gratidão a um antigo superior -- o qual depois o trairia, calando o bico num exílio dourado para salvar-se... sozinho .
E, de forma igualmente patética, tal laranja foi aclamado por uma esquerda desnorteada, como se a identificação com delegados metidos a justiceiros de periferia fosse desejável e aceitável.
* Jornalista e escritor. http://celsolungaretti-rebate.blogspot.com