Também vieram a São Paulo o diretor do filme Cao Hamburger, produtores, patrocinadores e elenco, entre eles Tabaca Kuikuro, um cacique da tribo Kuikuro, que veio representar as dezenas de índios que atuaram no filme. A produção realizou uma ampla pesquisa nas tribos da reserva em busca de interessados em atuar. Os selecionados participaram de workshops e oficinas de interpretação para viver seus ancestrais na tela do cinema. Ao lado de Tabata estavam os experientes atores João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat, que interpretam respectivamente Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Bôas.
Xingu conta a história de três irmãos, dois mundos e uma missão. A narrativa dos irmãos Villas Bôas apresenta a saga dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, uma área de mais de 27 mil quilômetros quadrados, inteiramente preservada e constantemente ameaçada. Um luta pela esperança de preservar uma cultura milenar e o direito de existir dentro de suas raízes. Uma façanha impensável que conseguiu burlar os interesses progressistas durante o efêmero governo Jânio Quadros. Se hoje, depois de décadas de democracia, ativistas ainda perdem a vida em nome da luta pela preservação dos índios, é possível imaginar a sagaz persistência que os irmãos tiveram de ter para conseguir de fato criar um Parque Indígena.
Cao falou sobre sua primeira obra baseada em uma história real. O filme foi inspirado no livro A Marcha Para o Oeste, de Cláudio e Orlando Villas-Bôas, lançado pela Cia. das Letras, um dos poucos relatos oficiais da saga dos irmãos. O diretor contou que a publicação foi um bom ponto de partida, mas escreveu o roteiro principalmente a partir de relatos colhidos por ele nas tribos em inúmeras visitas. “É uma história que tem pouca coisa escrita, tivemos que fazer uma pesquisa muito grande, decidimos ter o ponto de vista de quem vive no Xingu, conversar com os índios foi a minha preparação para começar escrever a história”, disse o diretor.
O diálogo entre a ficção e a realidade vivido por atores e personagens promete cativar o público. João Miguel vive Claudio Villas Bôas, um homem que conseguiu inverter a lógica militar. Ao invés de ser treinado para matar, os integrantes da expedição deveriam dar a própria vida pra proteger o “outro”, em uma política de respeito, baseada na convivência pacífica. Sensibilidade registrada por Claudio nos diários da expedição e vivida na sensível atuação de João. “Interpretar é jogo, e o jogo aconteceu a partir do primeiro contato entre nós e os índios, estávamos trocando informações de culturas diferentes o que já é uma metáfora sobre a própria história dos irmãos. A gente viveu isso dentro do filme”, explica o ator.
“Andar por terras que ninguém andou, chegar em lugares em que o branco nunca chegou, porque não há nenhum lugar que o branco não chegue, chegar antes foi tudo o que pude fazer” assim narra Claudio Villas Bôas quando decide tirar os sapatos e abandonar a vida medíocre de um burguês paulista para vestir um par de sandálias velhas, se fantasiar de caboclo goiano e viver a mais real das histórias de aventuras, em plena selva amazônica.
Avaliado em R$ 15 milhões, o filme teve um terço da produção custeada pela empresa privada de cosméticos Natura. Cerca de R$ 800 mil foram bancados pela estatal Eletrobrás, responsável pela construção de Belo Monte. Por esse motivo ativistas já lançam severas críticas sobre o filme. É preciso cautela, se os irmão Villas Bôas foram o veneno e o antídoto do desenvolvimento do interior do Brasil. Xingu, o filme, também pode ser visto da mesma forma. O debate em torno do Xingu esta lançado e pode sim ser o antídoto, vai invadir as salas de cinema com a distribuição da Globo Filmes. Após o circuito, o filme vai virar microssérie na TV Globo, com direito a cenas extras. O futuro da Amazônia, do Parque Xingu e dos índios deve chegar as conversas de boteco, salas de aula e salões de beleza.
A retomada do cinema brasileiro já falou do Brasil sertão, do Brasil fome, do Brasil tráfico de drogas e armas, do Brasil favela, em “Xingu” vemos uma rara superprodução do Brasil índio, do engajamento ambiental, ainda não visto nas grandes salas de cinema. Em Cidade de Deus o slogam pegou e a sociedade discutiu: se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Em Xingu a expressão ultrapassa a ficção e invade o literal. Na última tribo contactada pelos Villas Boas, havia 600 índios. Morreram mais de 500 antes de chegar ao Xingu. O Oeste do Brasil precisa de novos heróis antes que o bicho homem “coma” tudo.
(Agência Envolverde)