Tenho muita admiração pela arte contemporânea de Jean Michel Basquiat, jovem artista americano morto precocemente, 27 anos, vitima de overdose. Primeiro porque foi morador de rua e transformou a experiência traumática numa maneira nova de fazer e entender o que é arte. Depois, porque era um jovem negro inquieto, inseguro mas, ao mesmo tempo, critico do racismo, da pobreza, do conservadorismo situações pelas quais passou em grande parte de sua existência. Enquanto a vida deu tempo, liberou dor, angústia, sensações presentes em seu trabalho intrigante, pioneiro, revolucionário. Para ele, não havia limitações de lugares para expressar a criatividade. Ela foi registrada em portas, janelas, geladeiras, colagens, muros, estações de metrô, roupas, pneus, tecidos, pratos, colagens e telas de dimensões enormes de muita cor, exibindo o que admirava e amava.
Antes de ver a exposição dedicada a ele, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, havia assistido um documentário sobre sua vida. Impressionou-me sua figura enigmática, atormentada pela solidão, o sofrimento de dormir nas calças frias de Nova Iorque, da invisibilidade que marcaram sua vida para sempre. O estrelato chegou quando o publicitário e artista plástico Andy Warhol o descobriu. Fama e dinheiro não foram suficientes para apagar o passado de toda sorte de ausências.
A arte de Basquiat assim como a dos músicos, Charles Park, Jimy Hendrix e Miles Davis, brotou no sentimento de dor e revolta provados pelo racismo, que, às vez, nem a arte cura, apenas amortece com o uso de drogas, como aconteceu com estes três gênios da arte contemporânea. A mostra trouxe-me à mente o poder criativo de muitos adolescentes, da mesma origem de Basquiat que conheci na Fundação Casa, Centro de Atendimento para o Bem Estar do Menor, encarregada de aplicar medidas socioeducativas para adolescentes infratores, quando fui educadora social funcionária da entidade. Lá juntamente, com uma colega, professora de artes plásticas, realizei vários eventos onde os jovens internos mostraram talento natural para diferentes manifestações artísticas.Talentos que os ajudamos a descobrir estimulando a auto-estima deles, valorizando a cultura que traziam de sua vidas nas comunidades ou periferias pobres da cidade. Apesar da igualdade de origem com Basquiat, a maioria não vencerá pela arte. A difícil inclusão social da qual são vítimas aponta-lhes a perpetuação no crime, a morte precoce, longe da possibilidade de mostrar o talento nato ao mundo.
Basquiat, ainda que por pouco templo, escapou do destino fatídico, mas as feridas abertas em sua alma o levaram precocemente da vida, deixando para o mundo o brilhantismo de sua arte inovadora.
Neusa Maria Pereira é jornalista, educadora social e uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU).