Trabalhos de Hércules na Amazônia pré-colombiana

Vazia ou cheia de habitantes? Como era na verdade a Amazônia pré-colombiana? Um estudo publicado na revista Science e em um livro recém-chegado às livrarias respondem essas questões.

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Cobertura cultivada da floresta na Guiana Francesa dominada por palmeiras - foto de Daniel Sabatier

Habitada, afirma um artigo publicado em 3 de março passado na Reviste Science (1). Assinado por dezenas de botânicos, ecologistas e arqueólogos, ele apresenta um balanço impressionante de 1 170 de parcelas de estudos florestais divididos por toda a Amazônia e por 3 000 sítios arqueológicos estudados. Os autores observaram a abundância de 85 espécies de árvores utilizadas pelos ameríndios. Para sua alimentação, (cacau, ameixas, nozes do Brasil ...) e para usos não alimentícios (construção de casas ou barcos), com árvores total ou parcialmente cultivadas (portanto modificadas pela seleção artificial). E isso ocorre nas florestas atuais com aparência natural, não cultivadas.

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Palmeira de ameixas cultivada pelos pré-colombianas - Foto de Tinde Van Andell

Eles descobriram que essa abundância é muito mais elevada - uma "hiperdominação" - por 20 das 85 espécies cultivadas - explicando pela competição natural entre espécies ou seus nichos ecológicos. Dito de outra forma o mito da Amazônia "vazia" de população deve dar lugar à história de uma Amazônia cheia de povos cujas árvores cultivadas ou domesticadas dão estrutura ainda hoje à imensa Floresta Amazônica, com sete milhões de km2 e cerca de 400 bilhões de árvores de 18 000 diferentes espécies (2), muitos séculos depois de seu quase-extermínio pelo "choque microbiano" que seguiu a chegada dos europeus.

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Capa do livro de Stéphen Rostain sobre os povos pré-colombianos

O Indiana Jones de Kourou

Aos jornalistas que vieram cobrir um voo de Ariane a Kourou (na Guiana Francesa) era, às vezes, possível encontrar Stéphen Rostain. O resistente arqueólogo, capaz de estudar sob um sol escaldante ou sob a chuva do dilúvio, desprezando, os mosquitos, os estranhos e os "taludes" que pontilham a planície do Centro Espacial da Guiana. Esses taludes são conservados durantes séculos ... pelas formigas. Mas também foram formados a partir dos extensos trabalhos agrícolas de populações ameríndias desaparecidas.

Depois de trinta anos de trabalhos e mais de 200 artigos publicados, Stéphen Rostain, arqueólogo do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França) entrega com "Amazônia, os doze trabalhos das civilizações pré-colombianas" uma síntese estimulante dos avanços consideráveis resultantes dos últimos vinte anos de escavações arqueológicas. Com a generalização de escavações em grandes áreas e a reunião de milhares de trabalhos, a imagem da Amazônia pré-colombiana não tem mais nada a ver com a visão clássica. Uma visão que via apenas a América Central e os Andes como sítios de civilizações (Astecas, Maias e Incas para falar apenas das existentes no século XV). Que isso era inteiramente falso já estava claro para os especialistas há vinte anos. Todavia, o erro apareceu agora em toda a sua amplitude.

Cidades, caminhos, comércio

Uma síntese capaz de desmontar os mitos construídos depois de 1492 sobre essas populações, das sereias aos homens sem cabeça passando pelos tesouros do Eldorado ou das sete cidades de Cibola (Corto Maltese saía sempre a buscá-las...). Em particular sobre as Amazonas guerreiras, diretamente inspiradas nas histórias na antiguidade grega a respeito das quais nada veio a ser comprovado até hoje. No início de sua obra, Stéphen Rostain retorna a essas construções, um desvio útil, dado que sublinha nossa capacidade de elaborar "romances", nacionais ou não, que fazem submergir a história real no espírito coletivo por sua repetição, de livros em filmes, de images em histórias. Pois ele escreveu, "a verdade amazônica sempre foi camuflada sob os clichês e as pontes fantasias."

Seguindo o motivo dos doze trabalhos de Hércules, Stéphen Rostain mostra a transformação da Amazônia por suas populações que, após o desenvolvimento da agricultura, a sedentarização e o uso da cerâmica, há cerca de 5 000 anos, começaram uma expensão demográfica similar às observadas no Velho Mundo. Civilizações inteiras nasceram. E, às vezes, morrem como quando o vulcão Sangay asfixia todo um vale no Equador sob uma espessa camada de cinzas.

Há mil anos, a Amazônia é povoada por muitas dezenas de milhões de Ameríndios, que falam muitas centenas de línguas. Seus trabalhos agrícolas de grande envergadura são percebidos no plano de seus campos mais elevados aptos para suportar a estação das chuvas ocupando milhares de quilômetros. Como sobre o litoral das Guianas. Centenas de hectares de campos, no litoral da atual Guiana Francesa, produzem em abundância milho e outras culturas alimentares.

Vilarejos e cidades que reúnem milhares de habitantes nas aldeias próximas e bem conectadas, há estradas elevadas, grandes obras agrícolas, reservatórios e diques para controlar fluxos d'água e criar peixes ... a paisagem amazônica, mas também os solos enriquecidos por uma agricultura de longo prazo ainda carrega traços dessa ocupação densa. Os camponeses ameríndios foram "escavadores incansáveis", escreveu Rostain. Eles domesticaram uma centena de espécies (mandioca, milho, batata doce, abacaxi, pimenta, cacau, tabaco ... ) e já utilizavam 5 000 espécies selvagens.

O "choque microbiano" foi fatal para as populações. E o estudo dos solos mostra como, no coração da Amazônia, sem contato direto com os europeus, as populações se reduziram rapidamente. Um fenômeno ainda possível, relatado por antropólogos que, ao chegarem a algum povoado onde os esqueletos ainda chacoalham nas redes indicam o desaparecimento rápido de todo um grupo humano, destruído por uma doença desconhecida por seu sistema imunitário.

________________
(1) Efeitos persistentes da domesticação pré-colombiana de plantes na composição da Floresta Amazônica. C. Lewis et al. Science, 3 de março de 2017.

(2) Números tirados da obra de Stéphen Rostain.

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