Logo que surgiram as primeiras especulações sobre quem integraria a Comissão Nacional da Verdade, dando como favas contadas que a presidente Dilma Rousseff honraria a INCONCEBÍVEL, INACEITÁVEL e DESONROSA promessa feita à bancada evangélica no Congresso, de não indicar nenhuma vítima direta da --militante torturado(a) pela-- ditadura de 1964/85, lancei minha anticandidatura, primeiramente como forma de protesto.
NUNCA ADMITIMOS SER IGUALADOS AOS NOSSOS ALGOZES, que tentam justificar suas atrocidades com a desconversa de que os dois lados cometeram excessos. E o veto tanto aos criminosos da ditadura quanto aos antigos resistentes significava exatamente isto, a presunção de que ambos seriam identicamente inconfiáveis.
Pensei também numa remota hipótese de mexer com os brios da esquerda, fazendo com que ela saísse de sua tradicional posição majoritária de atrelamento incondicional ao governo petista (enquanto a minoritária é de apenas negar tudo que o governo do PT faz e ficar de fora criticando). Sonhava vê-la levantando a bandeira da não capitulação diante dos parlamentares reacionários.
A presença de pelo menos um membro aguerrido seria fundamental para dificultar a previsível acomodação diante da resistência da caserna à revelação da verdade.
Alguém precisava pagar para ver quando os militares blefassem, como blefaram no célebre episódio do ultimatum do alto comando do Exército ao Governo Lula, em 2007 (vide aqui).
Sabendo que meu nome não uniria a esquerda, várias vezes citei o companheiro Ivan Seixas, o grande responsável pelo resgate das ossadas de Perus, como segunda possibilidade. Se houvesse alguma mobilização para apoiá-lo, eu seria o primeiro a aderir, abdicando da minha anticandidatura.
Clamei no deserto. Os petistas e os caudatários do petismo se comportaram como tais e não como sobreviventes de uma carnificina na qual foram imolados alguns dos melhores cidadãos que este país já produziu. E os derrotistas deram a batalha por perdida sem sequer travá-la, como sempre.
Empossada há nove meses, o que essa domesticada comissão da verdade realmente produziu, afora a correção de um atestado de óbito famoso, retumbantes divulgações acerca do que todos estávamos carecas de saber e miudezas em geral? Valeu a pena a esquerda ter trocado a exigência de cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de punição dos carrascos do Araguaia, por prêmio de consolação tão ínfimo?
Se alguém ainda tinha dúvidas a respeito do verdadeiro papel dessa CNV, a entrevista que o escritor Marcelo Paiva deu à Folha de S. Paulo neste sábado (9) é suficiente para as desfazer, ao revelar que, sob seu nariz, os militares sequestraram o arquivo confidencial do coronel Júlio Miguel Molinas, ex-chefe do DOI-Codi do Rio de Janeiro:
"...um dia depois da morte dele [1º/11], houve uma operação do Exército que cercou a casa e levou caixas e caixas de documentos. A CNV é que deveria ter chutado a porta do cara com um grupo de investigadores de alto nível, porque afinal é uma comissão oficial do governo brasileiro. Devia ter pegado essas caixas".
Adiante, o Exército entregou à CNV apenas e tão somente os textos referentes ao assassinato de Rubens Paiva e ao atentado do Rio Centro. O que mais haveria?
Nunca saberemos, pois, mesmo que a Comissão exija agora o acervo total, não haverá como determinar-se se foram subtraídos os documentos mais melindrosos. O Exército tem uma longa tradição de os incinerar, como até o Fantástico contatou, no episódio da base aérea de Salvador (vide aqui).
Isto para não falar da grande queima de arquivos do segundo semestre de 1981, quando quase 20 mil documentos secretos foram reduzidos a cinzas (vide aqui).
* jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com