O mundo globalizado, hegemonizado pelo discurso neoliberal, pela pós-modernidade, produziu uma época fragmentada, desprovida de valores universais, onde convivemos com exclusões dos mais variados tipos – econômica, social, nas áreas do conhecimento, da informação e da cultura. Esse momento impõe-nos o desafio de resgatar, incorporar e ampliar valores éticos cuja sedimentação nos últimos dois milênios teve a influência do melhor pensamento cristão, fundado na defesa da dignidade humana, no primado da vida, na defesa do bem comum e no cuidado com os pobres. Precisamos reconstruir a presença de Deus e recuperar a referência dos valores da justiça, da paz, da solidariedade, da partilha, da alteridade, enfim, daqueles que fornecem as condições objetivas para a consolidação da dignidade humana.
Neste mundo globalizado, o avanço tecnológico que os pensadores influenciados pelo iluminismo vislumbravam como uma chave para ampliar as potencialidades humanas, serve muito mais para alimentar as contradições sociais do que para cumprir o ideal iluminista. A onda de um “capitalismo triunfante” reinaugurou uma era dos “mercadores do templo”, revertendo a ordem e transformando o próprio mercado em templo. O valor supremo passou a ser o dinheiro, a propriedade privada desvinculada de suas funções sociais e o lucro a qualquer preço - formas modernas do “bezerro de ouro”. E as conseqüências do endeusamento do consumo se refletem na ausência dos valores fundamentais na formação humana, obscurecendo o valor da vida como mediação das relações e dos conflitos humanos. O enfraquecimento de referências descortina um grande desafio para formação do ser humano, que vê as possibilidades enfraquecidas pelos sentimentos de ansiedade, angústia e dúvida. A análise das condições de nossa época, para manter fidelidade no relato, resvala para o pessimismo.
Mas, se pelas condições históricas nos vemos pessimistas na avaliação dos fatos, a existência de um trabalho consciente de enfrentamento dos desafios, no Brasil, deixa-nos otimistas nas possibilidades de ação. A constatação das dificuldades deve nos impulsionar na busca de soluções para mudar o estado das coisas, não para alimentar o espaço para imobilidade.
O Brasil sente os efeitos da pós-modernidade, da dívida social histórica que por muitos anos acentuou nossas desigualdades sociais. É fato. Famílias desintegradas, jovens com pouca ou nenhuma perspectiva, desemprego, trabalho infantil, violência sexual contra crianças e adolescentes, prostituição infantil, fome, conduzindo a um quadro de déficit de esperança entre seus habitantes. São alguns dos desafios que estamos enfrentando sustentados por indicadores sociais que diferentes instituições disponibilizam para consulta.
Devemos construir a possibilidade de mudar a realidade. Mas penso que devemos também unir forças para que essas possibilidades de mudança sejam possíveis também em outros países. O mundo já reconheceu a importância de se investir na juventude, em proteger e promover as famílias pobres, por motivos éticos e por motivos de ordem prática no sentido de garantir a sustentabilidade do desenvolvimento econômico. A declaração dos oito objetivos de desenvolvimento do milênio pela ONU sinaliza nessa direção.
Temos consciência da grande dívida social que acumulamos em nossa história, ligada também ao processo de colonização e às relações econômicas com países mais ricos que se deram em bases desiguais. Tal situação foi muito bem denunciada nas três encíclicas sociais que tratam mais diretamente da justiça nas relações internacionais: a Pace in Terris, do Papa João XXIII, a Populorum Progressio, do Papa Paulo VI, e a Solicitude Social do Papa João Paulo II, comemorativa dos 20 anos da Populorum Progressio.
Devemos estar firmes em nosso propósito de superar essa dívida. É preciso mobilizar energias do nosso povo em sintonia com esforços das pessoas de boa vontade de todo mundo. Precisamos dessa solidariedade internacional, dessa rede de pessoas comprometidas com um futuro melhor para a nossa e para as próximas gerações. E para que possamos realizar o desejo e a promessa de Jesus de Nazaré, o Príncipe da Paz: “Vim para que tenham vida e a tenham em plenitude”.