A CULTURA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A DETERMINAÇÃO DE UM MODELO DE EDUCAÇÃO

Meu interesse pela relação entre a cultura e as  educações colonizadora e emancipatória remonta ao início de minha vida profissional. Durante todo o tempo que tenho militado como educador não tenho feito outra coisa que não procurar desvelar a cultura como um fator de determinação de uma ou outra educação.
Para encontrar respostas, examinei livros sobre o assunto, conversei com outros educadores, observei alguns trabalhos desenvolvidos em escolas de minha relação profissional e, sobretudo, na atualidade, utilizei os textos disponibilizados no Curso de Mestrado em Gestão Educacional da Universidade Politécnica Salesiana de Quito.
Após leitura e reflexão do material coletado, estabeleci que o meu texto observaria os seguintes tópicos: uma breve reflexão sobre a cultura e educação, a relação determinante entre cultura e a educação  colonizadora , a educação emancipatória e seu papel na descolonização da educação e, por fim, como conclusão, as possibilidades reais para se subverter a lógica que continua subsidiando a educação enquanto ferramenta de manutenção dos sistemas excludentes e de dominação que marcam a contemporaneidade.

Cultura e educação

O ser humano, diferentemente dos animais que vivem submetidos pela natureza, é agente ativo de transformações consideráveis na mesma. Na relação com a natureza, a partir das necessidades surgidas, o homem ao satisfazê-las produz cultura, isto é, cria tudo aquilo que é necessário, desde o mais simples objeto material à mais complexa idéia (as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais), para sua afirmação como sujeito histórico, como construtor de sua própria existência.

A cultura é, portanto, um processo de autoliberação progressiva do homem, o que o caracteriza como um ser de mutação, um ser de projeto , que se faz á medida que transcende, que ultrapassa a própria experiência.
Agora, é bom lembrar que a cultura, um mundo de significados, ao ter seus elementos constituintes estabelecidos, possui um longo período de duração apesar de seu caráter de transitoriedade. É bom lembrar também que os múltiplos interesses dos diferentes grupos humanos exercem uma influência muito grande na sua formatação, na sua elaboração e na sua consolidação. Sendo assim, o homem, ao nascer, ao relacionar-se com o mundo, com suas práticas, teorias, instituições e valores materiais e espirituais, fica a mercê de regras, normas e ideologias que dirigem de certa forma a sua experiência societária, fica a mercê de uma herança sócio-cultural. Podemos atestar tal constatação quando vivenciamos, nas experiências da vida, os inúmeros preconceitos existentes com relação a gênero, etnia, procedência regional, condição econômica, etc.
Importante é a constatação de que frente à herança sócio-cultural o homem pode perder sua liberdade, sua autenticidade, sua capacidade de insurreição, tornando-se um prisioneiro dos sistemas de controle impostos pela sociedade, pela cultura. Porém, não há como negar que, apesar da herança sócio-cultural ser responsável pela massificação, existe a possibilidade real de uma vida sem correntes e dominação que germine na sociedade e a partir dela. Esta possibilidade, real e concreta, representa um sol de esperanças a iluminar a luta das sociedades que, como zumbis, vivem à margem da consagração dos direitos humanos elementares, vivem a experiência de terem que aceitar a arrogância cultural dos que se consideram “superiores” e, mais do que isto, não saboreiam a dialética da alienação e da liberdade na relação com a herança sócio-cultural.
O homem ao não viver a dialética da alienação e da liberdade, presente no jogo cultural, assume a condição alienante “de não ser”, ou melhor, de não possuir a faculdade que o leva à compreensão da sociedade em que vive, tornando distante de sua consciência todos os projetos de mundo, sociedade e humanidade que definem, de modo particular, os interesses dos grupos sociais que se pretendem hegemônicos. O homem alienado culturalmente transfere para outro ou para um determinado grupo social o que é seu, a sua capacidade de tecer o seu próprio projeto de vida, aquele nascido de suas relações consigo mesmo, com os outros, com o mundo e a natureza.
O viver, nas experiências da vida, a dialética da alienação e da liberdade, é a condição objetiva para o homem não se deixar submeter, docilizar-se, ou para dar um passo para fora das rotinas colonizadoras da sociedade. Libertar-se dos grilhões da cultura colonizadora proporciona ao homem as competências necessárias para o desencadear  de suas forças criativas. Forças que irão consolidar o “sair de si”, a competência indispensável para o homem enfrentar o dogmatismo, o classicismo, o preconceito, a arrogância cultural e as certezas inabaláveis que paralisam a construção de um novo projeto para a humanidade.
Por outro lado, sabemos todos, em especial as mentes acadêmicas,  que a educação é um dos mais importantes meios para se construir e consolidar a cultura. Como uma necessidade nascida da relação do homem com a natureza, ela expressa uma concepção de homem, de sociedade e de mundo. Sendo que, as referidas concepções traduzem as intencionalidades de diferentes grupos sociais, dando significatividade aos seus interesses particulares. Logo, não existe neutralidade em educação. Ela, quer queiramos ou não, está a serviço de um determinado projeto.
A educação consiste em transmitir normas de comportamento técnico científico (instrução) e moral (formação do caráter) que podem ser compartilhadas por todos os membros da sociedade. É evidente que as normas compartilhadas por um determinado sistema educacional observam intencionalidades subjacentes aos grupos dominantes, isto é, aqueles que determinam as políticas educacionais. Sendo assim, o ato humano, também fruto da reflexão ou imposição do processo educativo, é historicamente condicionado segundo os interesses e as intencionalidades que balizam os projetos educacionais. O condicionamento a que me refiro é externo e interno. Ao condicionar o ato humano a educação molda o comportamento societário, mas também o pensamento, o sentimento e o julgamento mais internos.
Por fim,  enquanto síntese do que foi apresentado, é possível resumir a relação entre cultura e educação, afirmando que a segunda age para a promoção da conformidade de pensamento e de comportamento, ao mesmo tempo em que pode agir para o existir de um reflexão crítica que permita o ato contestatório dos pontos considerados negativos da herança sócio-cultural.

A relação entre cultura e educação colonizadora

Para realizar a reflexão sobre a importância determinante da cultura nas experiências da educação colonizadora, tomarei como ponto de partida o pensamento vigente na Europa do século XIX, especialmente aquele que serviu de “justificativa” para o Imperialismo, ou melhor, para a partilha da África e da Ásia.
O impacto da tecnologia, do comercialismo e dos rifles e metralhadoras européias, na relação com a África e a Ásia, a partir do neocolonialismo, foram justificados por um elemento cultural, ilusoriamente etnocêntrico, que afirmava que a sociedade européia industrializada do século XIX era superior a todas as demais.  Essa afirmação ficcional foi convenientemente reforçada pela hipótese pseudocientífica do “Darwinismo Social”.
Um dos primeiros pensadores a aplicar à sociedade política os princípios da seleção natural e da variabilidade natural, do Darwinismo Social, foi Walter Bagehot. Bagehot destacou a luta essencial entre os grupos. As lutas não seriam somente de indivíduos, mas seriam conduzidas por grupos de homens. As tribos mais coesas e possuidoras de variabilidade prevaleceriam sobre as demais, representando a sobrevivência das mais aptas. A coesão seria a principal característica dos vitoriosos na luta dos grupos. E a variabilidade seria o fator que daria sentido a luta pela existência, pois resulta em um melhoramento da organização biológica ou social. Os melhores grupos seriam, de acordo com o pensador, aqueles que pudessem equilibrar a coesão, baseada nos costumes, com variação e a sua conseqüentemente tendência à transformação.
Os europeus ao rotularem pejorativamente os povos africanos e asiáticos de “diferentes”, “primitivos”, revelaram uma atitude profundamente arraigada em sua cultura, a cultura ocidental. Ao considerarem a cultura ocidental como superior eles demonstraram que o modo de ver a realidade estava estabilizado em conceitos imutavelmente universais, a partir dos quais, então, tiravam conclusões e moldavam determinados conceitos para englobar todas as coisas. Os princípios dos quais deriva esta ordem conceitual estática da realidade estão incorporados na educação clássica da tradição ocidental.
Esses princípios raramente são defendidos hoje fora dos círculos neonazistas. Mas ainda se manifestam ocasionalmente, pois se tornaram princípios que possuem uma longa história nas mentes dos povos ocidentais, não apenas entre seus criadores, mas também entre aqueles que se beneficiaram da exploração que foi realizada sobre a África e a Ásia.
É evidente que, na atualidade, as justificativas para as relações contemporâneas de dominação presentes na novíssima colonização, naquela que não mais exige dominação territorial, pura e simplesmente, mas mental, econômica e social, não acontecem como aconteceram no século XIX.  Hoje, com muito mais sutileza, as justificativas encontram-se no terreno ideológico. Segundo a professora Marilena Chauí, a ideologia é um conjunto lógico de representações (idéias e valores) e de normas ou regras de conduta que determinam o modo de pensar, valorizar, sentir e fazer de um determinado grupo social. É lógico que ao determinar o “modo de”, a ideologia determina também o como pensar, valorizar, sentir e fazer.
Outro ponto importante para o entendimento na nova dominação é o que trata da concepção da ideologia enquanto verdade. Ela jamais é vista como mentira inventada nos porões das articulações da classe dominante, permitindo assim que ela exerça sua influência de forma natural sem que pareça imposição. Logo, a ideologia possui as funções de naturalizar valores, idéias, conceitos, comportamentos (normas e regras) e de criar obstáculos para que a dialética da alienação e da liberdade, enquanto condição objetiva para o homem não se deixar submeter, docilizar-se, não constitua uma realidade concreta na vida escolar.
Ao falamos de educação colonizadora hoje, estamos nos referindo a um modelo de escola que não favorece a dialética da alienação e da liberdade, que usa e abusa de armadilhas ideológicas para impedir que a mesma torne-se um espaço de luta e de busca de soluções, ainda que precárias e parciais.
E como funciona a educação colonizadora? Ela ao estruturar-se sobre a cultura do ensino passa a ter seu foco na instrução, no treinamento, no conteúdo, e no controle, traduzindo, em outras palavras, um jogo onde massificação, certezas, causalidade simples, transmissão de conhecimento e verdade absoluta, são elementos de crucial importância.
Postman e Weingartner, no último capítulo de seu livro Teaching as a subversive activity, diziam, em 1969, que embora devesse preparar o aluno para viver em uma sociedade caracterizada pela mudança, cada vez mais rápida, de conceitos, valores, tecnologias, a escola ainda se ocupava de ensinar conceitos fora de foco (ideológicos), dos quais os mais óbvios eram:

  • O conceito de “verdade" absoluta, fixa, imutável, em particular desde uma perspectiva polarizadora do tipo boa ou má.
  • O conceito de certeza. Existe sempre uma e somente uma resposta "certa", e é absolutamente "certa".
  • O conceito de entidade isolada, ou seja, "A" é simplesmente "A", e ponto final, de uma vez por todas.
  • O conceito de estados e "coisas" fixos, com a concepção implícita de que quando se sabe o nome se entende a "coisa".
  • O conceito de causalidade simples, única, mecânica; a idéia de que cada efeito é o resultado de uma só, facilmente identificável, causa.
  • O conceito de que diferenças existem somente em formas paralelas e opostas: bom-ruim, certo-errado, sim - não, curto-comprido, etc.
  • “O conceito de que o conhecimento é “transmitido”, que emana de uma autoridade superior, e deve ser aceito sem questionamento”.

Afirmam ainda que, dessa educação resultariam personalidades passivas, aquiescentes, dogmáticas, intolerantes, autoritárias, inflexíveis e conservadoras que resistiriam à mudança para manter intacta a ilusão da certeza.
Enfim, a educação colonizadora sustenta-se na aprendizagem mecânica, na qual novas informações são memorizadas de maneira arbitrária, literal, não significativa. Esse tipo de aprendizagem, bastante estimulado na escola, serve para "passar" nas avaliações, mas tem pouca retenção, não requer compreensão e não dá conta de situações novas, não prepara o aluno para a emancipação.

A educação emancipatória e seu papel na descolonização da educação

Na educação emancipatória a dialética da alienação e da liberdade está fortemente presente. Através dela é possível perceber como a cultura vigente, a das classes dominantes, fragmenta as relações sociais e impõe o individualismo acima da coletividade, destruindo qualquer possibilidade concreta de fazer valer os interesses comuns e os direitos inalienáveis de todos. 
Nas escolas essa cultura, a vigente, fruto de uma educação colonizadora, é estimulada pelas teorias educacionais, pelas matrizes curriculares, pelos processos avaliatórios sustentados no merecimento e pela formação inicial e continuada dos educadores que formatam um processo educacional identificado com a lógica do sistema que substitui os direitos por chances, a solidariedade pela concorrência e a consciência crítica pelo  tecnicismo.
A educação emancipatória serve como alternativa de organização e construção da consciência coletiva para a transformação de nossa realidade; serve para a desconstrução da educação clássica da tradição ocidental que não leva em consideração as múltiplas culturas daqueles que vivem sob o domínio ideológico dos dominadores; serve para a desconstrução de saberes e valores cristalizados e identificados com o projeto hegemônico de homem, sociedade e mundo. Enfim, serve para a construção de um novo modo de pensar, valorizar, sentir e fazer, de um novo conjunto lógico de representações (idéias e valores) e de normas ou regras de conduta. Ela acena também com uma alternativa de vida escolar para além dos bancos, fórmulas e códigos, estimulando o debate de idéias, a contraposição de opiniões, promovendo a descolonização da educação, a sua não subserviência à lógica do mercado.
A partir do enfoque sobre educação emancipatória apresentado anteriormente, é possível admitir que a mesma confronta-se diretamente com a educação colonizadora. O referido confronto produz ataques mortais aos princípios fundantes da educação colonizadora, fazendo-a perder sustentação e tornando-a um arremedo, um simulacro, de tudo aquilo que vem defendendo ao longo dos tempos.
Para compreendermos melhor a educação emancipatória, sua capacidade de enfrentamento da educação colonizadora que prioriza a cultura do ensino, precisamos perceber que seu foco está na cultura da aprendizagem. Cultura que defende a construção do conhecimento com autonomia, a capacitação dos educadores para o desenvolvimento de competências e habilidades nos educandos, a existência de comunidades de aprendizagem e o assumir de redes de convivência com interação mútua e gestão competente do conhecimento. Em sendo assim, a educação emancipatória defende ainda a construção de redes de informações que levam em consideração a multiplicidade de idéias, valores, teorias, saberes e conhecimentos presentes na multiplicidade de culturas existentes no tecido social.
A educação emancipatória possui também algumas características que são de grande relevância para a produção da nova cultura, consequentemente da educação que emancipa, liberta, propõe e consolida autonomia. Para tal, a escola deve oferecer
espaços educativos  heterárquicos, onde os valores da cooperação, do respeito mútuo, da solidariedade interna, centrados na atividade do aprendiz, sejam uma realidade.
Nesses espaços o professor é mediador, co-participante, e jamais a pessoa investida de toda autoridade, detentora de todas as decisões que envolvem o processo ensino-aprendizagem.
Analisando a nova realidade que impera no mundo, globalizada e identificada radicalmente com o conhecimento (sociedade do conhecimento), podemos admitir que a educação emancipatória é algo de extremo valor. Com a globalização, as nações estão cada vez mais interdependentes e inter-relacionadas, ao mesmo tempo dependentes de uma estrutura econômica com uma visão neoliberal.
Nesta sociedade do conhecimento o mais importante é a produção intelectual com o uso intensivo das tecnologias, exigindo uma aprendizagem constante para responder às urgências do tempo presente, nem sempre positivas, e com uma carga de dominação muito grande.
Na educação emancipatória a aprendizagem constante está identificada com o conhecimento não mais fragmentado, e, sim, visto como um todo. Ela impõe uma aprendizagem que supere a matriz epistemológica cartesiana, o paradigma positivista que enseja a racionalidade, a objetividade, a separatividade, a decomposição do todo em partes fragmentadas e, sobretudo, acabe com o falseamento teórico que sustenta as práticas educativas.  O referido falseamento, com uma carga ideológica muito expressiva, justifica a naturalização de determinados conceitos, teorias, valores e idéias, importantes para a consolidação do projeto hegemônico das classes dominantes.
A aprendizagem constante presente na educação emancipatória é também responsável por uma prática educativa que, acima de tudo, privilegia a investigação e a pesquisa, fazendo do aprendiz um agente criativo, crítico e produtor de conhecimentos, visando o aprender a aprender. Sendo assim, o foco da educação passa da ênfase do ensinar para a ênfase do aprender. O aprendiz, neste momento, vive a experiência da dialética da alienação e da liberdade, é capaz de enxergar, com sua visão crítica todas as armadilhas ideológicas presentes na educação colonizadora.
Nesta nova realidade educacional, a prática pedagógica deve observar diferentes abordagens:

  • O aprender com pesquisa – onde a  aprendizagem está baseada na pesquisa para a produção do conhecimento, superando a reprodução, a cópia e a imitação referendadas pelo pensamento cartesiano. Ele propicia ao aluno a construção, a reconstrução, a produção e a apropriação do conhecimento. Propicia, ainda, autonomia, superação, liberdade total das amarras da alienação imposta pela educação colonizadora.
  • A abordagem progressista – onde a parceria entre educador e educando provoca no segundo a necessidade de produzir soluções para a melhoria da qualidade de vida da humanidade. Nesta abordagem, a aprendizagem passa a ser significativa, ter sentido prático para a vida do educando, pois oferece ao mesmo a perspectiva de mudanças consideráveis nas estruturas da sociedade. Nela a prática pedagógica é problematizadora, levando em consideração o contexto dos ambientes culturais, étnicos, históricos, de classe e de gênero.
  • A visão holística – que caracteriza a prática pedagógica aliada ao ensino com pesquisa e à abordagem progressista, oferecendo condições objetivas para que a visão de totalidade, promotora do conhecimento em rede, de sistemas integrados e interconectados, aconteça realmente. Ela visa também a perspectiva interdisciplinar, que supera a fragmentação, a divisão, a compartimentalização do conhecimento. A visão holística implica em aprender a aprender, em aprender a fazer, em aprender a conviver e aprender a ser.

Na nova prática pedagógica, fruto da educação emancipatória, o Projeto de Aprendizagem Colaborativa, que demanda um ensino voltado para ações colaborativas, é o mais indicado. O ato de aprender, apesar de constituir, inicialmente, algo particular de cada um, não pode abrir mão da interação entre os aprendizes e o professor. A referida interação, além de  colaborar na qualidade do ato de aprender, é indispensável para que os envolvidos no processo ensino-aprendizagem possam tecer redes de comprometimento com o novo, com a liberdade, com um projeto de vida autônomo e, mais do que tudo com uma educação descolonizada.

Subvertendo a lógica da educação tradicional / colonizadora

A lógica da educação tradicional clássica, isto é, sua maneira de conceber o homem, a sociedade e o mundo, é colonizadora. Hoje, diante das novas urgências, de um mundo globalizado e identificado com a sociedade da informação/conhecimento, a educação tradicional clássica, sua lógica, para se sustentar, precisa colonizar, através do viés ideológico, as mentalidades, a economia, a sociedade, enfim, a cultura.  É através do processo coloniza tório que ela consegue reproduzir as estruturas organizacionais que interessam.
Para que a educação tradicional, colonizadora, possa ser subvertida é necessário, em primeira instância, uma revolução completa na formação do educador: inicial e continuada, onde a necessidade de conhecimento e reflexão sobre a organização e gestão da educação, consequentemente das escolas,é cada vez mais assumida como uma condição indispensável ao processo de desenvolvimento e melhoria do desempenho das práticas educativas.
A referida revolução, mencionada no parágrafo anterior, exige um investimento na qualificação dos educadores em geral e dos profissionais com responsabilidades nos órgãos de gestão da educação.
Para que exista de fato uma educação de qualidade, identificada com a educação emancipatória, a formação dos educadores, inicial e continuada, deve proporcionar aos mesmos um diagnóstico preciso dos problemas e das dificuldades que estão maculando a educação.  É impossível modificar a educação, a escola, os currículos, sem modificar o educador, seu tipo, seus valores, sua formação e prática. É necessário a criação de uma nova mentalidade na formação e atuação dos educadores. O educador necessita transformar-se num pesquisador, para que sua atuação não seja improvisada, devendo partir do conhecimento da realidade da comunidade e de seus alunos.
Sendo assim, fica-nos claro que as escolas não podem constituir uma instância consumidora de algo que existe pré-estabelecido, de um conhecimento determinado fora de suas experiências mais significativas.
A produção do conhecimento no âmbito escolar é o grande desafio a ser superado na atualidade. É desafio que impõe aos educadores um novo perfil, diferente daquele que os definia como facilitadores ou assistentes do conhecimento. O educador, segundo o novo perfil, é o próprio conhecimento que se materializa diante dos alunos; é alguém que assume compromissos intransferíveis, insubstituíveis com a produção do conhecimento.
Quando os educadores assumem a postura de produtores do conhecimento, sem que exista por parte dos mesmos a experiência de um sentimento de superioridade na relação com os alunos, estão implodindo a vertente “tradicionalista” da educação, aquela que anuncia o docente como o ator principal e os alunos como coadjuvantes do processo ensino-aprendizagem..
Segundo a perspectiva da produção do conhecimento a partir da docência, é preciso que os educadores abandonem a prática conexa ao mero exercício do ensino, ao ato de pesquisar sem socializar os resultados. É preciso que os educadores estabeleçam um nexo entre ensino e pesquisa, pois aí reside todo o potencial criativo e produtor de conhecimento por parte da docência. O educador-pesquisador é aquele capaz de produzir conhecimentos, a partir de sua prática, voltados para as necessidades de uma sociedade envolta em sombras e buscando incessantemente responder às grandes questões da contemporaneidade.
A pesquisa para o educador deve ser um princípio educativo, condição indispensável para a prática docente, capaz de promover nos alunos o desejo de estar também contingenciado pela mesma. O educador ao estabelecer a pesquisa como referencial de suas atitudes e atos, promove nos alunos a inquietação pelo saber e pela produção do conhecimento, indispensáveis na formação de um sujeito crítico, criativo e identificado com a autonomia intelectual. Ao inserir, no seu trabalho, a pesquisa e, conseqüentemente, a produção do conhecimento, o educador estará dando um passo importantíssimo na superação de práticas “antigas”, ALIENADORAS, que vivem sustentadas pela memória, jamais pela inteligência, e consolidam a absurda reprodução do conhecimento.
Em segunda instância, não menos importante do que a primeira, enfatizo a necessidade do desenvolver no aluno da capacidade de aprender. Isso redefine o papel da educação e da escola, atribuindo-lhes outros objetivos, entre os quais:

  • Estimular e desenvolver as habilidades cognitivas do aluno.
  • Incentivar sua capacidade de discernimento, de trabalhar com processos lógicos e sistêmicos que lhe permitam correlacionar as informações obtidas e distinguir o que de fato é relevante.
  • Fomentar a reflexão filosófica – a capacidade para refletir sobre valores, encorajando o aluno na buscar  de seus valores e os da comunidade que o cerca, e a refletir sobre eles.
  • Desenvolver suas habilidades de comunicação, visando sua socialização, seu compromisso histórico com a comunidade.
  • Trabalhar para a formação da cidadania na concepção clássica, incluindo-se a introjeção de valores como o processo coletivo, a construção coletiva do conhecimento, o intercâmbio e o diálogo, o respeito à diversidade e a compreensão da cidadania como dimensão da própria educação.

Finalizo transcrevendo parte da Carta de Nova Iguaçu, redigida no  Fórum Mundial de Educação de Nova Iguaçu (23 a 26/03/2006), que com rara felicidade pontuou aspectos indispensáveis de nossa luta a favor de uma educação que subverta a lógica da educação tradicional clássica, o seu aspecto colonizador do processo ensino-aprendizagem.
“Defendemos a educação como uma ferramenta para a recuperação da memória de nossas lutas e daqueles que nos precederam, deixando seu inesquecível exemplo de compromisso e dignidade na construção de um futuro melhor.
Defendemos a educação como prática da liberdade, como utopia libertária, como instrumento para a construção de um horizonte de dignidade e solidariedade, onde se criam e recriam os valores democráticos, a sensibilidade e a indignação frente às injustiças.
Defendemos a educação democrática como uma plataforma de onde podemos gritar “Nunca mais”: Nunca mais às ditaduras brutais, nunca mais às repressões, nunca mais aos genocídios, nunca mais à negação dos nossos direitos, de nossa história, de nossa dignidade.
Defendemos a educação como forma de justiça e de luta por uma verdade que nos negam, que nos roubam, que nos pretendem fazer esquecer.
Defendemos a educação como possibilidade efetiva para nos transformarmos em pessoas melhores. Para aprender admirar o mundo em que vivemos e para lutar todos os dias, fazendo com que todos, todas possam ter direito a desfrutá-lo”.

Referências bibliográficas

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BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas; uma visão humanística. Petrópolis, Vozes, 1980.
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FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.
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GUSDORF, G. A agonia de nossa civilização. São Paulo, Convívio, 1978.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis, Vozes, 1988.
MORAES, R. “Produção numa sala de aula com pesquisa: superando limites e construindo possibilidades”. In: Revista da Educação – Educação e Ciências e Questões Afins. EDIPUCRS, Porto Alegre, 2000.
POSTMAN, N. & WEINGARTNER, C. Teaching as a subversive activity. New York, Dell Publishing Co, 1969.

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