Disfarçando a idade para manter as namoradas |
Jorge Ben se tornou septuagenário nesta 5ª feira, 22.
[Não vou usar aqui o nome artítico que ele adotou por causa do engana-trouxas chamado numerologia. Sempre detestei essas tolices. Nunca me referi, p. ex., àquele encenador de desfiles carnavalescos como Joãosinho. A gramática tem regras e o ridículo tem limite.]
A idade do Jorge Ben foi pivô de um episódio engraçado em 1983, quando eu editava revistas de música e a Rosi Campos era assessora de imprensa na gravadora Som Livre.
Conhecêramo-nos 12 anos atrás, quando me tornei amigo do Luís Alberto de Abreu e este me convidou para assistir à peça de estréia do seu grupo teatral, o Doces e Salgados: Tempo dos inocentes, tempo dos culpados.
Era uma turminha boa de São Bernardo do Campo, dando os primeiros passos na carreira. Eles se reuniam no Centro Cultural Guimarães Rosa: o Luís, o Calixto de Inhamuns, o Ednaldo Freire e sua esposa Jussara, a Rosi e mais alguns.
A peça me tocou principalmente pelo idealismo e entusiasmo da moçada. Tanto que o Calixto feriu a mão com um arame logo no início da representação e foi até o fim gotejando sangue.
Depois, o Luís assumiu a função de escritor das peças do grupo e a Rosi começou a sobressair-se como a atriz mais espontânea nas cenas de humor.
Mesmo notada pelo público e elogiada pela imprensa, em 1983 ela ainda não conseguia sobreviver só de sua atuação em teatro e TV.
A Rosi, o Calixto e a Maria do Carmo em 1979 |
Nem eu ganhava o suficiente na Editora Imprima, mas continuava lá por ser gratificante editar todas aquelas revistas a meu bel-prazer. Tinha até algum prestígio como crítico de rock, com o pseudônimo de André Mauro.
Então, a Rosi começou a me arrumar frilas na Som Livre: escrevi os press-releases de uma coletânea da Jovem Guarda, de outra dos Beatles, de um lançamento da Marília Gabriela (apresentadora de TV fazendo as vezes de cantora, ela se achava a própria Elis Regina: detestei sua empáfia), de um disco ao vivo do Jorge Ben.
No último caso, fiquei numa saia justa: não tinha como falar com ele, porque estava excursionando. E não achei, à primeira vista, nada de interessante para escrever sobre a enésima vez em que Jorge Ben aparecia cantando as músicas de sempre.
Ou haveria? Ocorreu-me que as faixas mapeavam todas as fases de sua trajetória. E me indaguei se ele não estaria completando 20 anos de carreira. Pesquisei e... bingo! O compacto de estréia ("Mas, que nada"/"Por causa de você, menina") era de 1963.
Redigi, então, um longo release, na linha de que era o disco comemorativo dos 20 anos e não mero acaso. Relembrei sua história, introduzindo cada faixa como peça de um painel musical.
Funcionou. A imprensa embarcou na minha canoa e deu a um LP corriqueiro destaque muito maior do que merecia. Nas coletivas, era sobre "os 20 anos" que lhe faziam perguntas.
Ficou agradecido? Não, comentou com a Rosi que entregáramos a idade dele. Até então, vinha conseguindo passar-se por mais jovem. As matérias publicadas tinham feito suas namoradas perceberem que já era quarentão...
Nunca conversei com ele, de forma que a má impressão me ficou até hoje.
O que não me impede de apreciar muito e ouvir de vez em quando as canções de suas fases bossanovista e tropicalista. Acho excelentes as letras, espontâneas, ingênuas, singelas. E considero "Charles, anjo 45" um clássico absoluto da MPB.
Só me resta uma dúvida: será que ele conserva, aos 70 anos, a síndrome de Peter Pan? Conseguirá ainda iludir as namoradas?
* jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com