Personagem Mitológica

Os dicionários comuns definem a mitologia como “história fabulosa dos deuses, semideuses e heróis da Antiguidade”. Em torno do mito de Édipo- condenado, pelos pecados de seu pai Laio, a tornar-se parricida e , casando com a própria mãe, gerar uma prole maldita.
- Freud elaborou os pilares da psicanálise. Édipo foi um herói trágico, que não pôde esquivar-se da maldição que lhe foi imposta.
Refletindo sobre o assunto, indago a mim mesma se a mitologia é tão fabulosa e inverossímel como aparenta ser. Até certo ponto, as figuras mitológicas são uma espécie de protótipos que se repetem ao longo dos séculos, com pequenas variantes, mas com uma semelhança intrínseca capaz de levar-nos à perplexidade.
Não tenho a menor dúvida, no entanto, de que o brasileiro é uma personagem que reúne em si todas as dores que atormentaram alguns destes seres “fabulosos”,cuja origem é uma incógnita perdida há milhares de anos.
O brasileiro é um ser mitológico, mais precisamente um herói trágico, patético.
Ele é Prometeu, acorrentado no Monte Cáucaso, com o fígado devorado aos poucos por uma águia. De igual maneira age o poder econômico-político com, para dar apenas um exemplo, os aposentados. “Preocupado” com o crescimento de uma abstração, que é o país (como são todos os países), tortura o povo, os indivíduos, seres concretos, de carne e osso, que precisam de assistência médica, alimentação, trabalho justamente remunerado, educação,etc... O poder perdeu a consciência de que foi escolhido pelos eleitores para ser um atravessador das verbas que acumula, através de impostos pagos pelo povo. Rendeu-se à ganância, aos delírios, às mordomias cada vez mais vergonhosas.
O brasileiro é Dédalo, perdido no labirinto das repartições públicas, frente a impiedosos guichês aonde vai e para onde volta mais tarde, até descobrir, por acaso, seu processo desaparecido, caído no chão, atrás de uma estante empoeirada e repleta de outros processos, que –se não somem de vez – levam anos para serem deferidos ou não, por uma caneta fria e cruel. A pessoa do outro lado do guichê insiste em que algum documento não foi anexado, quando, muito provavelmente perdeu-se em malotes que seguiram para uma outra sala muito próxima, poucos metros adiante, a fim de que se cumprisse a burocracia. É bom frisar que esta pessoa do outro lado do guichê também é vítima da perversidade generalizada.
O brasileiro é Tântalo, sedento e faminto, em um país de rios longos e largos, terras férteis, ricas jazidas minerais; subsolos generosos que o poder passa as mãos que não se importam com a qualidade de vida dos seres humanos, além de se esforçarem para diminuir a quantidade de bocas famintas e desdentadas, em uma eutanásia sem critérios outros que não os priorizados pelo lucro fácil e exorbitante de quem já possui tudo e quer muito mais.
E vai por aí...
Sim, infelizmente, o brasileiro é personagem de mitologia. Um herói trágico.(NC)


Regina Oliveira


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