Contar gente na Pedra Lisa, atrás da Central do Brasil, foi serviço brabo.
Época em que o general garrafa azul média ia ao Maracanã, com radinho de pilha no ouvido esquerdo, ver o Mengo jogar.
Nesta pequena parte da favela – Primeiro Quilombo do Rio – vi assassinato!
Não havia botequim... E sim Tendinhas. Velho Tião abria janela que virava balcão. Crianças negras, nuas, suplicando pão com ovo...! Hoje em dias as favelas cariocas estão apinhadas de barracos de alvenaria, com tijolos expostos. Naquela época não. Todos os barracos eram feitos de madeira e papelão catados nas ruas. O telhado era de lata que com o tempo enferrujava e entrava chuva. Estas telhas, baratíssimas, eram conhecidas como telha de zinco. No verão, calor insuportável. Mestre Sílvio Caldas narra com poesia esta triste realidade, em sua maravilhosa música “Chão de Estrelas”.
“A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão”.
Cem por cento dos moradores eram negros e mulatos. Não havia um branco!
Pião era o dono da Boca de Fumo juntamente com o Paulinho Cheiroso.
Meu apelido virou “estudante”. Paguei pães com ovos e depois fui proibido!
Numa linda manhã, chegou um cara vendendo um “Trinta e Oito”. Deu a arma na mão do Pião, tirando as balas. Pião disse:
- Compro sim. Me de as balas, para saber se o tambor esta bom...
Municiou o tambor, girou e fechou, puxando o ‘cão’ pra traz, afirmando...:
- Fela da puta, pedi pra você não roubar no pé do morro. E você roubou a bolsa de comida da minha tia.
Um tiro na testa.
Pedra Lisa, no complexo do Morro da Favela, ou Santo Cristo, Providência; fica no alto de uma extinta pedreira. O cadáver do ladrão foi chutado e voou lá de cima. Até hoje, sonho com a explosão do pobre corpo caindo em cima de um ônibus. Sei que até hoje é mantida a garagem dos ônibus, nesta ferradura, que é o formato desta antiga extração de pedras.
O relógio da Central do Brasil ficava abaixo do meu campo de visão. Imaginem a altura...
Neste ano de 70, o brilhante e polêmico jornalista João Saldanha foi expulso da Seleção, por ter afirmado que "não escalava ministros"... O general presidente o mandou escalar um jogador do Flamengo e ele disse não!
E o Zagalo ganhou a Copa do Mundo..., com o time do Saldanha.
Abaixo, letra completa do “Chão de Estrelas”.
Chão de Estrelas
Sílvio Caldas
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba - rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam estranho festival!
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
