Na Mesa de Honra, da esquerda para a direita: Maria Nascimento, Artur da Távola, Comandante do Forte de Copacabana, Carlos Leite Ribeiro e Vilma Matos
ARTUR da TÁVOLA
Nasceu a 3 de Janeiro de 1936
Morreu a 9 de Maio de 2008
Que saudades deste grande amigo, pessoal e do Portal CEN – “Cá Estamos Nós”.
Quando tivemos problemas em 2006, foi ele com sua posição que evitou que o Portal CEN – “Cá Estamos Nós” tivesse na altura graves problemas. O CEN ficará para sempre agradecido a este grande homem, sem esquecer o Henrique Lacerda que recolocou o Portal no ar, com poucos danos.
Recordo as palavras do Paulo que me dirigiu durante um lançamento de um seu livro, aos amigos, Maria Nascimento e Luiz Poeta (que podem testemunhar). Nessa altura, ainda não nos conhecíamos pessoalmente, mas ele admirava e muito o nosso trabalho em prol da Cultura/Literatura Luso-Brasileira.
Grande homem, grande amigo que correspondia sempre com dedicação e amizade. Seu caráter e sua honestidade, nunca deixaram dúvidas. Existem três condições básicas que definem um amigo: inteligência, capacidade de indignação e generosidade. Artur preenchia todas elas, complementando-se com uma firmeza de carater admiráveis, uma consistência teórica cheia de brilhantismos e uma serenidade afetuosa que conquistava amizades fortes, isentas de sedução ou maneirismos fúteis.
Em meados de 2005, fiz-lhe uma entrevista (virtual). Ainda não o conhecia pessoalmente.
“O avião por fim levantou voo do Aeroporto Internacional de Lisboa (Portela), com rumo à Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro. Ia ser uma viagem demorada e algo maçadora, mas para ir ao Rio de Janeiro, nem que fosse a nado, seria sempre um enorme prazer. Tentei dormir, mas isso em viagem, é praticamente impossível. Depois da servida a refeição, abri a pasta para reler mais uma vez uns apontamentos que tinha tirado da pessoa que ia entrevistar, o Artur de Távola, que tem dois apelidos bem portugueses: Monteiro e Barros:
TÁVOLA Moretzsohn Monteiro de Barros
Data de nascimento: 03 de janeiro de 1936
Naturalidade: Rio de Janeiro-RJ
Filiação: Paulo de Deus Moretzsohn Monteiro de Barros
Magdalena Koff Monteiro de Barros
Profissões: Advogado, Jornalista, Radialista, Escritor e Professor.
Peguei numas revista que tinha trazido, mas não me apetecia ler – só vi as fotografias e os bonecos. A minha parceira de banco ressonava quase desde que levantámos voo. Tentei contar quantos roncos dava a senhora por minuto. Por fim, a tal senhora acordou e logo me perguntou se tinha ressonado e me incomodado muito. Respondi-lhe que não tinha a ouvido ressonar e que não me incomodava nada, antes pelo contrário, que era um prazer tê-la como companheira de viagem. Metemos conversa e soube que era carioca, que morava em Santa Tereza e que tinha um comércio de roupa num shopping no aterro de Botafogo. Mostrou-me fotografias do marido e dos filhos e foi dizendo que tinha passado uns dias na bela cidade de Lisboa, onde tinha assistido a várias apresentações de moda feminina.
Por fim, a tão desejada comunicação do comandante do avião: "Senhores passageiros, estamos a fazer-nos à pista do Aeroporto Internacional de Tom Jobim, onde devemos aterrar daqui a 10 minutos. Por favor, vejam se têm os cintos apertados...".
Pouco tempo depois começámos a ver o Rio, o incomparável Rio de Janeiro!
Encravada entre a montanha e o mar, o Rio de Janeiro é uma cidade incomum por sua geografia, e é seguramente o ponto do território brasileiro mais conhecido em todo o mundo. Mesmo quem tem apenas um mínimo de conhecimento sobre o Brasil, ao ouvir falar do país associa-o automaticamente à "cidade maravilhosa". A capital do estado do Rio de Janeiro reúne belezas naturais que vão das praias que recortam sua costa, como as do Arpoador, Ipanema e Copacabana, a morros que marcam sua paisagem, como o Corcovado e o Pão de Açúcar. No Rio fica a maior floresta urbana do mundo, a da Tijuca, inteiramente reflorestada na segunda metade do século XIX. A cidade é ainda um dos principais centros irradiadores de cultura nacional, berço de géneros musicais.
Por fim aterrámos. Sentimos aquela sensação que nos dá, a nós lusos, quando pisamos solo brasileiro. – Porquê? Ninguém consegue explicar!
Apanhei um táxi: "Leve-me por favor à Rua República do Peru, esquina com a Barata Ribeiro". Tinha que ir ao hotel fazer o chek in, tomar um banho e ir apanhar sol e passear no belo calçadão. As horas passam a correr, quando estamos no Brasil, nomeadamente no Rio. Pensei fazer uns telefonemas a uns amigos, mas desisti na altura. Senti grande ansiedade em sair do hotel e dirigir-me para a beira-mar, para o calçadão. A entrevista estava marcada para as 11 horas, no posto 6 de Copacabana, na entrada do Forte do mesmo nome. Estava no posto 3 e tinha muito tempo de chegar ao Forte. Parei no caminho várias vezes para voltar-me para trás e admirar aquelas maravilhas que Deus criou e presenteou não só os cariocas, como também que visita o Rio. Bebi água de dois cocos – que delícia e fresquidão.
Quando cheguei ao local combinado, o entrevistado já nos aguardava. Interpelei-o:
Távola: - Sou sim. E você deve ser o Carlos, o português mais brasileiro ou o brasileiro mais português que conheço. Mas… Artur da Távola, é pseudónimo
Depois dos cumprimentos da praxe, combinámos iniciar a entrevista andando um pouco pelo calçadão, neste caso, em direção ao Leme. Calmamente passámos pelo banco de Carlos Drummod de Andrade, em frente à Rua Rainha Elizabeth, onde o grande escritor da Língua Portuguesa, mineiro de nascimento, passava parte das tardes meditando ou olhando para o mar.
Carlos: – Então porquê "Artur da Távola"?: -
Távola: - Contos largos, mas vou contar-lhe: A convite do Samuel Wainer, fui trabalhar na Última Hora com o Tarso de Castro, o Nelson Motta, que na época era um garoto, e o Luiz Carlos Maciel. E lá encontrei Moacyr Werneck de Castro e Otávio Malta, habituais colaboradores do Samuel. Eu era editor de Cidade na Última Hora e assinava com o meu nome, Paulo Alberto, uma coluna chamada "Cidade livre". Quando foi decretado o Ato Institucional nº 5, quem, como eu, já tinha problemas políticos precisou se esconder. Quando a coisa foi-se normalizando, o Samuel Wainer me chamou e me aconselhou a arranjar um pseudônimo e passar a escrever sobre televisão. Aí me veio à cabeça o nome de Artur da Távola…
Carlos: - Qual era o tipo de crónica?
Távola: - Naquela época era muito comum os intelectuais e os jornalistas arrasarem com a televisão, veículo em que trabalhei no Chile. Mas segui a sugestão do Samuel, no sentido de fazer uma coluna analítica. No começo eu me apresentava como um velho aposentado, que ficava numa cadeira de rodas diante da TV, minha única diversão. Primeiro, analisava mais do que opinava. Depois, destacava o trabalho de profissionais sem bajular a empresa e buscava infiltrar material de crônica na análise que fazia — especialmente nos comentários sobre novelas, que tinha autores muito talentosos, a maioria banida do teatro pela censura e levando material político e de reflexão para o telespectador. Depois da UH e da Bloch, mudei-me para a Globo.
Carlos: - Depois do almoço, quer nos contar como foi essa mudança?
Tínhamos chegado à porta do Restaurante "Cais da Ribeira", na Avª. Atlântica, onde aproveitámos para almoçar, um prato típico bem português "Cozido à Portuguesa", regado com o bom e adamascado vinho de Borba (Alentejo – Portugal).
Depois da refeição, apanhámos um táxi para a estação dos "Bondinhos" (carros elétricos), perto da Catedral Metropolitana e da Igreja de Santo António. Apanhámos o bondinho para Santa Tereza, passando pelos Arcos da Lapa (que sensação!). Depois de darmos uma volta pelo Bairro, onde tentámos visitar uma chacara, mas em vão por estar com o edifício em recuperação, apanhámos um táxi que nos levou ao Cristo Redentor. Onde de lá de cima a panorâmica é soberba...
Lá no cimo, como que abraçados por Cristo, a 710 metros de altitude, recomeçámos a entrevista.
Carlos: - Artur da Távola, como foi essa mudança da UH e da Bloch, para a Globo?
Távola: - Um belo dia, o Evandro Carlos de Andrade, que chefiava a Redação, me chamou para escrever no jornal. Mas eu disse ao Evandro: como é que eu vou fazer crítica de TV no Globo? Ele me disse: "Deixa comigo, vamos tentar." Durante 15 anos, ele adotou a seguinte técnica: com o Roberto Marinho, defendia a minha posição quando eu criticava a Globo; comigo, defendia a posição do jornal. Quando não tinha jeito, ele me aconselhava a ir conversar com o Dr. Roberto.
Carlos: - Pelo que me conta, nessa época, digamos, foi tudo cor-de-rosa?
Távola: - Não direi assim, porque, quando ele demitiu o Walter Clark e assumiu a TV, achei que ia complicar, pois, se eu criticasse, estaria criticando o patrão. Mas foi justamente nesse período que ele absorveu muito melhor as minhas críticas. Para alguns colegas, eu fazia "o jogo" da TV Globo. Não era verdade. Muita gente da TV pediu minha cabeça diversas vezes e dizia que eu não podia emitir opiniões contrárias à emissora sendo funcionário das Organizações Globo. Eu me demiti em 87, quando fui eleito Deputado e o Mário Covas me convidou para ser relator, na Constituinte, de um capítulo grande que incluía educação, cultura e comunicação, segmento da empresa em que eu trabalhava.
Quando vínhamos a descer, o Artur de Távola encontrou um casal amigo que nos levou à Praia Vermelha, onde apanhámos um "bondinho" para subirmos ao morro da Urca.
Já lá em cima e enquanto esperámos outro "bondinho" para subirmos ao alto do Pão de Açúcar; e a entrevista continuou:
Carlos: - Como considera o seu trabalho como constituinte?
Távola: - Bem, o capítulo da comunicação até hoje está aí, ninguém nunca tentou mudar nada. Todas as defesas contra a censura e pela regionalização de produção e a criação do Conselho de Comunicação nós conseguimos ganhar.
Carlos: - Escreveu sobre a liberdade de imprensa. A pergunta impõe-se: - Como está essa liberdade no Brasil?
Távola: - De uns dez anos para cá, tem havido um grande aparelhamento partidário nas redações. É preciso ressaltar que a liberdade de imprensa deverá respeitar também os direitos do recetor da informação, que deverá recebê-la sem condicionamentos, vista de todos os ângulos. Nós, jornalistas, nos preocupamos muito mais com a nossa liberdade de comunicar, que é fundamental, do que com o direito de quem está do outro lado da notícia.
Carlos: - É uma figura pública de enorme prestígio, não só no Brasil. Atua na política, na imprensa e na literatura. – Como consegue dimensionar o seu tempo, para estas atividades?
Távola: - Não me considero um intelectual de prestígio, sou uma pessoa respeitada. Inclusive, nos meus livros, eu confesso que sinto falta de prestígio intelectual.
Carlos: - Não será de sua parte "uma falsa modéstia"?
Távola: - Não é não, Carlos. Intelectual não lê o que eu escrevo, porque eu tenho muita preocupação de escrever para o grande público. E eu escrevo crônica, que é considerado um gênero menor. Não é, mas foi caracterizado assim.
Carlos: - Como qualifica a mídia de hoje, em comparação com o antigamente?
Távola: - Ninguém faz cobertura de Comissão ou de trabalho. E isso vem sendo o comportamento geral, principalmente depois que o jornalismo enveredou pela linha da notícia como entretenimento. Este fenômeno não acontece apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Vivemos uma era em que os modelos televisivos influenciam o formato do telejornalismo e da imprensa, embora os jornais ainda tenham articulistas capazes de exercer um papel de reflexão de muito boa qualidade. O Carlos é desse tempo. Hoje, é opinar em manchete. Sou de uma geração que nunca usou esse expediente; manchete era só para informar, ainda que fosse sobre algo grandioso e brutal como a guerra. De uma década para cá, é possível observar o quanto as editorias opinam na edição da matéria e das manchetes, muitas vezes em função da competição entre os jornais. E repare, É opinar em manchete. Sou de uma geração que nunca usou esse expediente; manchete era só para informar, ainda que fosse sobre algo grandioso e brutal como a guerra. De uma década para cá, é possível observar o quanto as editorias opinam na edição da matéria e das manchetes, muitas vezes em função da competição entre os jornais.
Carlos: - Em sua opinião, a que se deve esse facto?
Távola: - A tecnologia ajudou muito no desenvolvimento desse campo do jornalismo, com suas máquinas de capturar som e imagem. Mas em certos momentos ele se deixa contaminar pelo denuncismo. Às vezes há uma tendência de se tratar o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação e a condenação como linchamento.
Carlos: - Sente-se saudosista de algum modelo de linha editorial?
Távola: - Do jornalismo de ideias, que marcou um tempo e também sumiu.
Carlos: - Como vê o radiojornalismo nos dias de hoje?
Távola: - O radiojornalismo tornou-se mais urgente do que analítico, ou seja, a rapidez da informação é mais importante do que aprofundar e analisar o assunto. A pressa do furo determina algumas conclusões nem sempre adequadas, pois muitas vezes as fontes não são checadas.
Carlos: - Como é que o Artur da Távola pegou como em Portugal se diz "o bichinho da rádio?
Távola: - Na juventude. E o meu primeiro emprego jornalístico foi na Rádio MEC, que ano que vem faz 70 anos, como eu. Ali fui obrigado a improvisar, o que era essencial nas transmissões externas antigamente e me deu uma boa base. Outra experiência notável na minha vida foi a passagem pelo jornal O Metropolitano, da União Metropolitana dos Estudantes. Ele era todo feito por estudantes e circulava encartado no Diário de Notícias, aos domingos. Foi onde eu aprendi a fazer jornalismo impresso. Depois, tive forte influência do Samuel Wainer, que foi um grande mestre. Atualmente sou o funcionário mais antigo da emissora.
Carlos: - E como conseguiu o seu estilo inconfundível de cronista?
Távola: - Do ponto de vista literário, sempre fui um enamorado da crônica, que é um dos gêneros mais encontrados na coleção de livros que mantenho em casa. É uma pena que ela esteja desaparecendo do jornalismo. Na minha conceção, a crônica é tão importante para um jornal como um jardim é para uma cidade. Além dos livros de crônicas, também coleciono obras sobre música e biografias de santos, que leio por um interesse misterioso que não sei qual é. Estas são as três coisas que eu mais leio habitualmente.
Carlos: - Imprensa escrita, falada e de audiovisual. – Qual a área que mais lhe agrada e se sente melhor profissionalmente?
Távola: - Todas se equivalem, mas tenho uma paixãozinha secreta pelo rádio. Em função da tecnologia, sua comunicação com o ouvinte, na sua escuta solitária, traz um grau de intimidade e aceitação maior que o da televisão. Esta é dominada pelo olhar, mais volúvel que a audição.
Às vezes eu mesmo me espanto. Afinal, vou completar 70 anos... Toda semana, faço três crônicas para O Dia, dois programas na Rádio MEC, quatro no Senado (três de rádio e um de TV) e um de música erudita na TV Cultura, em São Paulo. Como gosto de todas essas coisas, consigo dar conta.
Carlos: - Trabalhou no Ministério da Cultura, com um grande "cromo" do Brasil, que se chama Gilberto Gil. – Como foi essa relação profissional e pessoal?
Távola: - Sou suspeito para falar do Gil porque gosto muito dele, sou seu amigo, mas discordo dos que reclamam do fato de ele estar no Ministério e continuar sendo um artista. Acho importantíssimo ter um artista como Ministro. E o Gil sabe perfeitamente distinguir o que é oficial da sua carreira. Ele não pode fazer mais porque o Ministério da Cultura não tem dinheiro; a verba só dá para fazer a manutenção do que já existe. Devemos investir mais dinheiro e considerar que a cultura é um bem de primeira necessidade que tem tudo a ver com a evolução civilizadora do povo. A cultura é tão importante quanto gastar dinheiro com estrada e com saúde.
Muita coisa ficou por perguntar, mas o relógio nunca para e o nosso entrevista tinha outros afazeres e eu, tinha de regressar a Portugal. Agradecemos ao grande Artur da Távola a disponibilidade em dar-nos esta entrevista. Bem-Haja!
Nota: esteja onde estiver, Artur da Távola não esquece os amigos…
Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal