Lembra-nos o sempre inspirado professor LUIZ EDSON FACHIN que, em uma perspectiva de análise constitucional, as leis civis devem resguardar, para cada pessoa, um mínimo de patrimônio para que tenha vida digna (Estatuto Juridico do Patrimônio Mínimo, Ed. Renovar).
Por isso, tanto na docência como na magistratura, ao interpretarmos as vigentes normas civis, tentamos sempre evitar o emprego do verbo “sobreviver” ou “subsistir”, quando nos referimos à dimensão existencial de alguém, porquanto o vetor principiológico que seguimos aponta no sentido da preservação de um interesse jurídico de índole superior, qual seja, o patrimônio mínimo de cada indivíduo na perspectiva protetiva da dignidade da pessoa humana.
Nessa linha de raciocínio, o instituto jurídico do bem de família exemplifica com clareza a ideia corporificada na tese de FACHIN, uma vez que, como se sabe, quer tratemos do bem de família voluntário (arts. 1.711 a 1.722, CC) – instituído por ato de vontade e mediante registro em cartório -, quer tratemos do difundido bem de família legal (Lei n. 8.009 de 1990) – instituído diretamente por lei, independentemente de registro cartorário -, o que se busca, em verdade, é a preservação do mínimo patrimonial necessário a cada indivíduo, sob o pálio, inclusive, do constitucional direito à moradia (art. 6º, CF).
Muito bem.
Debruçando-nos em recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça a respeito deste importante tema – objeto de infindáveis debates na doutrina e na jurisprudência -, destacamos algumas que, pela atualidade ou relevância, merecem referência.
Primeiramente, a polêmica questão da “vaga de garagem”.
O STJ consolidou entendimento por meio do enunciado da Súmula 449 que a vaga de garagem que possuir matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora.
Outro aspecto jurisprudencial marcante e que chama a nossa atenção é a possibilidade de “desmembramento do bem de família”, para efeito de penhora, conforme se observa no seguinte julgado:
PROCESSO CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO -
DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA - BEM DE FAMÍLIA.
PISCINA LOCALIZADA EM IMÓVEL CONTÍGUO - PENHORABILIDADE.
I - Se a residência do devedor abrange vários lotes
contíguos e alguns destes suportam
apenas acessões voluptuárias
(piscina e churrasqueira)
é possível fazer com que a penhora
incida sobre tais imóveis,
resguardando-se apenas aquele
em que se encontra a casa residencial.
II - Imóveis distintos, ainda que contíguos,
podem ser desmembrados,
para que se faça a penhora.
III - Interpretação teleológica da Lei 8.009/90,
Art. 2º, parágrafo único, para evitar que o devedor
contumaz se locuplete e
utilize o benefício da impenhorabilidade,
como instrumento para tripudiar sobre
o credor enganado.
(REsp 624.355/SC)
Finalmente, há poucos dias, noticiou o mesmo Tribunal que:
“Aparelho de televisão e máquina de lavar, bens usualmente encontrados em uma residência, não podem ser penhorados para saldar dívidas. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de reclamação contra decisão de Turma Recursal de juizado especial. Todos os processos no país sobre esse tema que estavam suspensos aguardando a decisão do STJ já podem ser retomados.
A reclamação foi ajuizada por um morador de Mato Grosso do Sul, contra decisão da Segundo Turma Recursal Mista do estado. Condenado a pagar R$ 570 por atraso no pagamento do aluguel e das contas de água e luz, ele teve a TV e um tanquinho penhorados. Na reclamação, alegou que a penhora afronta entendimento consolidado no STJ, que tem competência para resolver divergência entre acórdão de Turma Recursal e a jurisprudência da Corte Superior.
O relator, ministro Sidnei Beneti, verificou a divergência. Ele ressaltou que a Lei n. 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família, protege não apenas o imóvel, mas também os bens móveis, com exceção apenas de veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Com base nessa lei, o STJ já decidiu que são impenhoráveis televisores, máquinas de lavar, micro-ondas, aparelhos de som e de ar-condicionado, computadores e impressoras, entre outros”. Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=100978 acessado em 10 de março de 2003.
Trata-se, portanto, de tema que, dada a sua plasticidade jurídica, é construído e reconstruído frequentemente pelos Tribunais brasileiros, exigindo de todos nós, profissionais e estudantes, atenção redobrada e constante estudo.
Um abraço no coração, meus amigos!
Pablo Stolze
10 de março de 2011