Wellington Lopes, estudante de Ciências Sociais em universidade pública, teme não concluir o curso após corte em bolsa de permanência
O estudante perdeu sua bolsa de auxílio à permanência e agora teme não conseguir concluir o curso
por Victória Damasceno
“É aquela fita né, pra gente sempre é mais difícil”. É desta forma que Wellington Lopes define a realidade da população negra, pobre e periférica nas universidades públicas do Brasil. Estudante da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), o jovem de 21 anos saiu de Poá, no extremo leste de São Paulo, rumo a Paranaíba (MS) no início de 2015 para estudar Ciências Sociais.
O curso lhe deu a oportunidade de pensar a respeito de sua realidade, mas no momento de aplicar a inscrição no Sisu para disputar a vaga a escolha foi pragmática. “Eu não tinha ideia do que eu queria, só queria fazer qualquer coisa. Não importa o que eu fizesse, já seria algo gigantesco para a minha vida.”
Wellington será o primeiro da família a conseguir um diploma universitário. Filho de uma operadora de máquina de bordado e de um encanador, chegar às salas de aula de um curso superior era algo que não estava sequer em sua perspectiva. Até a noite do dia 25 de julho de 2012.
Naquele dia, ele, dois irmãos e quatro amigos conversavam sobre “a vida e o futuro” quando recebeu uma ligação de sua mãe pedindo para que ficassem dentro de casa. “Ela disse que sentia que alguma coisa iria acontecer”. Foi o tempo de se despedir e entrar. Cerca de dois minutos depois, com o irmão, ouviram disparos. Os quatro jovens, entre 16 e 20 anos foram, mortos na Rua Pará, onde todos moravam. “A gente cresceu junto, morávamos na mesma rua”, conta.
Ele e o irmão foram os primeiros da rua a sair de casa e se deparar com três corpos estendidos. O quarto foi morto dentro de casa, e voltou à rua nos braços do pai. “Eu senti medo, muito medo”. A chegada da polícia foi tardia, cerca de uma hora depois. Para eles ficou a tarefa de limpar o sangue dos amigos em frente à casa do bisavô.
O sentimento lhe fez procurar um caminho que pudesse ajudar a ele e a sua família. O curso universitário era a alternativa e a universidade pública ou uma bolsa integral eram as únicas opções: jamais teria dinheiro para arcar com os custos de uma mensalidade.
Para isso, escolheu a Uneafro, curso pré-vestibular voltado para jovens negros, para se preparar para o ENEM. No ano de cursinho dividiu os estudos com o trabalho e o tempo dedicado a cuidar dos irmãos mais novos. Na época recebia um bom salário e vivia um dos melhores momentos de sua vida. “Eu tinha um emprego, tava ajudando minha mãe, fortalecendo meus irmãos e ainda estudando”. Até que chegou a aprovação.
Wellington foi chamado para fazer a matrícula após permanecer dias na lista de espera da UEMS e foi até o Mato Grosso do Sul receoso, pois sua escolha acarretaria em não conseguir ajudar sua mãe e seus irmãos, ao mesmo tempo em que corria o risco de não poder sequer terminar o curso por falta de dinheiro. A motivação chegou quando disseram a ele que seria fácil conseguir uma bolsa de auxílio à permanência estudantil.
Apesar das dificuldades enfrentadas para conseguir o diploma universitário, depois de formado Wellington quer engatar um mestrado (Mariana Jacinto)
E de fato foi. Logo nos primeiros meses de graduação foi beneficiado com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) que lhe prometeu uma bolsa de 400 reais por mês durante os quatro anos de graduação. Apesar de menor que um salário mínimo, o benefício garantiria que Lopes terminasse a faculdade, se não fosse uma decisão do governo federal, no final de 2017, que extinguiu o programa. Junto com Wellington, cerca de 70,6 mil estudantes também perderam o benefício, de acordo com o relatório final do Ministério da Educação sobre o pagamento de bolsas do Pibid.
Mesmo com o auxílio, vivia com muito pouco. Ele estima que para viver bem em Paranaíba precisaria de cerca de 1200 reais. “Pensando em poder comer frutas, legumes e carne, repor o que faltar e pagar todas as contas seria o suficiente”, explica, mas reitera que nunca viveu com “tanto”.
Por outro lado, para apenas sobreviver, 220 reais seria o necessário para pagar o aluguel do quarto e comer “meio mal”. Hoje sem nenhuma fonte de renda, espera que os pais possam lhe ajudar com 50 reais mensais. O restante do dinheiro pretende conseguir trabalhando com alguma ocupação que não atrapalhe sua graduação, mas que garanta sua sobrevivência. “É um teste psicológico”, desabafa.
Aliar o trabalho ao curso universitário é o que chama de desafio. Hoje sem a perspectiva de receber nenhuma assistência da universidade se pergunta como será trabalhar e estudar. Isso porque para ele, “a universidade tem um processo de educação que não inclui o preto, periférico e trabalhador”.
“Ela [a universidade] visa uma educação para a elite. Querem aqueles que tenham a possibilidade de ter uma formação integral, sem a necessidade de trabalhar. Ficamos sem saber o que fazer, porque precisamos nos alimentar e pagar contas.” A falta de políticas de permanência estudantil ainda tiram o seu sono. “Isso nos afeta diretamente. Os pretos, indígenas, as mães e os trabalhadores. Porque é a gente que sente a carga mais pesada”.
Apesar das dificuldades para seguir estudando, parar não é uma alternativa. Nem mesmo a saudade da mãe e dos irmãos lhe dão vontade de voltar para Poá. Depois de formado, quer fazer mestrado na mesma instituição. “Daria a honra de ser o primeiro da família a ser mestre”, diz, esperançoso.