E não é que o tão propagado “carnaval de rua” veio para ficar e acabou ficando. Não como nos bons e velhos tempos, quando o bonde e o lança perfume faziam parte da época de ouro do carnaval carioca. Hoje a coisa está mais tecnológica, sinais do tempo. Já não se canta Zé Keti e Braguinha como antigamente, mas a alegria é a mesma, os foliões continuam irreverentes como aquele do “bloco do eu sozinho”, que desfilava pelas ruas do Rio, nas décadas de 1960/70, desacompanhado, mas muito animado.
Hoje as ruas são ocupadas por blocos temáticos, liderados pelo pessoal acadêmico e conceitual. Um amigo sociólogo, disse que gosta de como o carnaval de rua é representado pelas etnias, pela manifestação de diferentes classes, e de como dividem o mesmo espaço numa celebração ideológica e, ao mesmo tempo, pela pretensão hipnótica da ideoplastia absurda e coletiva que mantém tudo como se ainda fosse uma expressão popular autêntica. E completou dizendo: - Isso é que move o carnaval, é que o aproxima das festas pagãs e da cristianização definida pelo calendário. Noel Rosa foi muito mais profundo, simples, claro e definitivo quando compôs Feitiço da Vila.
Em um passado recente, criticava-se que os desfiles das grandes Escolas de Samba eram feitos para os gringos, que o povão não tinha mais acesso em desfilar na avenida pela sua escola, ou assistir o espetáculo da arquibancada. O carnavalesco Joãozinho Trinta trouxe a riqueza para as fantasias e alegorias, imortalizando a frase: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Meu amigo sociólogo diria que isso é a lógica mercantil da indústria cultural. Hoje ninguém discute mais essas questões, porque o carnaval não está mais resumido aos desfiles na Marques de Sapucaí, agora o povão e os gringos se misturam em uma mesma tribo nas ruas, numa geléia geral. No fundo, tudo é uma grande festa e todos querem se divertir. É o carnaval se reinventando para a alegria dessa rapaziada esperta. Podemos dizer que o carnaval de rua é a “banalização da abundância”, é tudo muito e mais um pouco.
Um amigo diretor de teatro, disse que participa dos blocos para observar o comportamento desinibido das pessoas, gosta da liberação da natureza aflorando, sem a distinção orgânica do que é ser menino e menina. O folião não tem sexo - disse - seu comportamento é dirigido pelo instinto e pela oportunidade. É como um sorteio em que alguém enfia a mão no saco e pega uma bola com um número, pode ser ímpar ou par, mas o que prevalece é o refrão escrito na cartela: “Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”.
Ricardo Mezavila
Escritor
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