Um dos traços mais deploráveis dos brasileiros é a ingratidão, essa pantera.
Temos poucos grandes nomes e os tratamos a pontapés depois que passa o seu apogeu. Como se muitos, invejosos de quem fez é por merecer irrestrita admiração, estivessem esperando apenas o momento certo para os apedrejar.
E não precisam esperar muito, pois a memória é bem curta nestes tristes trópicos
O Tiradentes, nosso maior revolucionário do passado, está quase esquecido e seu feriado é dos menos festejados. Dez vidas ele tivesse, dez vidas ele daria. Quantos disseram o mesmo neste país pachorrento, cujo povo é tão submisso face aos tiranos?
A extrema-direita consegue impedir, com manobras jurídicas, que a família do Lamarca receba uma reparação merecidíssima; e quase ninguém se incomoda. Ele ousou lutar, foi abatido como um cão por jagunços travestidos em agentes do Estado e agora os beneficiários do seu sacrifício extremo não ousam sequer pronunciar o seu nome!
O Plínio Marcos, cujas peças a censura impedia que fossem encenadas, era obrigado a vender textos mimeografados na porta de teatros para sobreviver. Muitos que passavam para assistir às inocuidades em cartaz se desviavam como se ele fosse pestilento.
O Garrincha, que carregou nossa seleção nas costas em 1962, morreu praticamente na sarjeta.
Depreciam o Oscar Schmidt por uma coisa (a política) infinitesimal diante dos seus feitos como esportista. E isto lhes dá pretexto para até ignorarem suas agruras terríveis, motivo óbvio do mau momento que teve como palestrante (vide aqui).
Não deveria fazer palestras porque já é incapaz de controlar as alterações de comportamento que o tumor cerebral às vezes lhe provoca? Mas, abdicando do pouco que lhe resta na vida que ainda lhe resta, certamente morrerá mais depressa. A frustração dos pífios (*) de Caruaru pesa mais do que a compaixão do que qualquer ser humano nos deveria inspirar (e muito mais um dos nossos poucos nomes superlativos e memoráveis na atividade que exerceu!).
Não reverenciam como deveriam a Maria Esther Bueno, o Gustavo Kuerten, o Nelson Piquet, o Emerson Fittipaldi, etc.
O Eder Jofre disse tudo: "Se alguém quer me homenagear, que o faça agora, porque depois de morto não adianta nada".
Como o Raul Seixas, que se ressentia muito do abandono por parte dos fãs quando o conheci, em 1980. Só após sua morte foi que o redescobriram.
E é por ter falecido que o Ayrton Senna continua sendo tão cultuado; se estivesse vivo, enxergariam nele tantos defeitos quanto no Pelé ou no Oscar.
Quando o mão santa morrer, talvez finalmente nos lembremos de como ele foi grande um dia...
Faço restrições aos estadunidenses por muitos e bons motivos, mas nisto eles são bem melhores do que nós: sentem gratidão por seus ídolos e lhes dão todo reconhecimento.
Só sobre o Muhammad Ali já vi ou tomei conhecimento da existência de uns 20 filmes. Sua carreira terminou em 1981, hoje é uma sombra do que foi, mas vive rodeado de enorme carinho, respeito e admiração. Como é o correto.
Por aqui, estaria esquecido e só se falaria dele quando surgisse oportunidade para o agredir covardemente, como acaba de fazer uma malta de linchadores virtuais.
* é absoluta má fé me acusarem de desprezo pela cultura popular nordestina, pois nunca o tive. Inclusive, respeito e aprecio o trabalho da Banda de Pífanos de Caruaru. O que detestei foi a postura de alguns mimadinhos pífios de Caruaru. E isto está bem claro no meu texto anterior.
Por Celso Lungaretti, no seu blogue.