O estudo, o conhecimento e a investigação do nexo conjuntural, histórico, social e econômico do Direito Público com as correntes de pressão e mudança que atuam na esfera da sociedade contemporânea, ligadas tanto à ordem política nacional como internacional, se faz, portanto, indispensável a quem quiser compreender e dominar as bases desse Direito, sua conservação, sua estabilidade, suas variantes, suas transformações, nomeadamente em face do fenômeno da globalização.
A globalização corroi a soberania do Estado, nega-lhe a qualidade essencial de poder supremo e nos faz clamar. Salvo as exceções honrosas, contra a neutralidade, a tergiversação e a passividade dos juristas, muitos dos quais circulam nas esferas do poder, onde traçam o círculo normativo da política governante, menosprezando o exame dos elementos éticos, fáticos e axiológicos que fundamentam interesses nacionais da ordem jurídica ameaçada.
A transgressão contumaz da ordem normativa pelos autores da política globalizadora e por seus juristas é o indicativo da crise e do abalo que arruína o princípio da legalidade. Mas primeiro que este, outro princípio, sem dúvida mais importante para a composição do poder e o exercício da autoridade, já terá sido conculcado por igual, a saber, o princípio da legitimidade.
A Política, enquanto valor, ação e ciência, é que faz a lei, já nas casas legislativas, já na interpretação e jurisprudência dos tribunais, já enfim na versão degenerativa das antecâmaras palacianas. Nestas, instalou-se a sede clandestina de uma fonte legiferante donde promanaram mais de quatro mil medidas provisórias, das quais centenas são manifestamente atentatórias da Constituição.
A Política, faz a lei, mas nem sempre faz o Direito, porque o Direito é também a legitimidade, a doutrina, o valor da verdade; não é apenas o fato nu, que jaz debaixo da norma coerciva. Se administradores, juízes e legisladores por seus atos e prescrições deixam de seguir a via legítima, apartando-se do princípio da legitimidade, todo o arcabouço do regime oscila ou vem de baixo.
É para a Política, portanto, convelidos os princípios da soberania e da legitimidade, que hão de volver-se, de necessidade, as nossas cogitações, a fim de discutir-lhe as propostas, as diretrizes, as fórmulas, os programas e os ditames, na medida em que interferem sobre a substância do regime e a natureza do Estado de Direito.
Na unidimensionalidade da globalização estão em risco os fundamentos do sistema, as estruturas democráticas do poder, as bases constitucionais da organização do Estado.
Os neoliberais da globalização só conjugam em seu idioma do poder cinco verbos. Com eles intentam levar a cabo, o mais cedo possível, a extinção das soberanias nacionais, tanto internas quanto externas. Os verbos conjugados são: desnacionalizar, desestatizar, desconstitucionalizar, desregionalizar e desarmar.
Por obra simultânea dessa ação contumaz, impertinente e desagregadora, sujeita-se o País à pior crise de sua história. De tal sorte que, breve, nas consciência do povo, nas tribunas, nos foros, na memória da cidadania, a lembrança das liberdades perdidas ou sacrificadas se apagará, já não havendo então lugar para tratar, por elementos constitutivos identidade, a Nação, o Estado, a Constituição, a Região e as Forças Armadas.
Acham-se todas essas instituições debaixo das ameaças de um deliberado processo de decomposição, aparelhado por forças exteriores e interiores que, triunfantes, farão o Brasil retrogradar à condição de colônia ou protetorado.
Com efeito, as elites egoístas renegam a causa de seu povo e fazem a Nação caminhar silenciosa, sem voz de combate ou murmúrio, rumo ao cativeiro do terceiro milênio. Faz-se mister, por consequência, a leitura dos artigos 1º, 2º e 3º da Constituição Federal de 1988.
Do artigo 1º constam os fundamentos da República Federativa do Brasil, quais a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. No parágrafo único do mesmo artigo proclama-se que todo poder emana do povo e que este o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição.
Já o artigo 2º estabelece a independência e harmonia dos Poderes enquanto o 3º enumera os objetivos fundamentais do sistema republicano, assim enunciados: construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem comum, sem a eiva preconceituosa das discriminações injustas, derivadas da origem, da raça, do sexo, da cor e da idade.
Aí se acham postas, pois, as bases de um Estado social justo e humano, reforçado no Preâmbulo pelos Constituintes de 1988 com a denominação de Estado Democrático, por designar o legítimo Estado de Direito, sob a égide de valores que são a suma daqueles direitos fundamentais das quatro dimensões conhecidas, isto é, os direitos à liberdade, à igualdade, ao desenvolvimento e à democracia.
Desse modo, toda regra jurídica ou ato normativo que colidir com a pauta de valores e princípios declinados naqueles artigos e no texto do Preâmbulo é absolutamente inconstitucional.
A política de governo da globalização neoliberal, por exemplo. Sua aplicação elide a soberania, afeta a índole do regime, liquida a legitimidade do sistema.
É esse aspecto constitucional mais grave da ação governativa ora em curso e exame, visto que toda ela estampa a nódoa da ofensa às diretrizes normativas das mencionadas disposições.
São tais disposições, sem exceção, de natureza principiológica inviolável. Por onde, quem globalizar, desnacionalizar e desconstitucionalizar, lesando a soberania, ficará sujeito a ter seus atos, assim na órbita interna como externa, passíveis de controle de constitucionalidade e averiguada a procedência das arguições, declarados todos nulos.
Se os nossos tribunais se capacitassem de que este é o caminho, de que esta é a hermenêutica, de que este é o espírito da Constituição, os erros da política alienante e entreguista não teriam sido tão trágicos, nem provocado efeitos tão graves ao organismo Nação.
Mercado, consumo, câmbio, bolsa de valores, dolarização, grandes fusões empresariais, especulações, nova economia, formação de oligopólios figuram entre as locuções da globalização que mais perto dizem com a natureza do capitalismo de começo de século cuja concentração de força econômica, servida de instrumentos e meios de expansão jamais vistos, por obra das inovações tecnológicas, decreta na arrogância de sua linguagem o crepúsculo das soberanias.
A ingovernabilidade do Brasil não está finalmente nos cidadãos e nos consumidores, nos sem-terra e nos sem-teto, nos campos e nas cidades, no trabalhador e no desempregado, no estudante e no professor, no advogado e no magistrado.
Tamanha ingovernabilidade está, por sem dúvida, na incompetência, na inépcia, na ofensa à Constituição, na impunidade, no atentado ao direito adquirido e à coisa julgada, no desrespeito aos tribunais, na usurpação da função legiferante, no aniquilamento da soberania, na dissolução da identidade nacional, na quebra do pacto federativo, nas quadrilhas da corrupção, nas traições da elite, nas malversações do poder, no crime social, no suborno dos meios de comunicação.
Urge, pois, pedir prestação de contas aos autores desse desastre, que não há cidadão tão cego que não veja, ou homem tão insensível que não se comova. O quadro de perseguição social de que são vítimas os trabalhadores do salário mínimo e os membros da classe média – funcionários públicos e aposentados, professores e magistrados – não tem paralelo em outras épocas da nossa história.
A globalização, qual está sendo seguida e executada, configura a antítese da soberania. Com o fim do Estado constitucional e soberano, adeus Amazônia, adeus Brasil, adeus independência nacional.
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Fabricius Assumpção é advogado, formado em 2004 pela Universidade Cândido Mendes (Campus Campos dos Goytacazes), especialista, MBA em Administração Pública pela Universidade Estácio de Sá e Pós-Graduação em Auditoria Empresarial pelo Instituto A Vez do Mestre. Ex-Assistente da Procuradoria Executiva de Fazenda do Município de Macaé. Ex-Subdiretor Geral Administrativo Financeiro da Câmara Municipal de Macaé, tendo, entre outras atribuições, a coordenação de expedientes referentes ao projeto “Câmara Itinerante”. Ex-Auxiliar Parlamentar na Câmara Municipal de Macaé, tendo colaborado na elaboração de diversas proposições legislativas, tais como o Projeto de Lei n.º 041/2010, que criou o Programa de Assistência Jurídica Gratuita Itinerante (que consiste na visita programada e regular à determinada localidade no âmbito do Município de Macaé realizando prestação jurisdicional, orientações aos cidadãos na área de defesa do consumidor, família, infância e juventude, registro civil e juizado especial cível) e o Requerimento n.º 082/2010, o qual solicita, através dos órgãos competentes (atualmente o INEA/RJ), o monitoramento da qualidade (com as placas indicativas) das águas dos principais rios, reservatórios, lagoas costeiras e praias do município, conforme as Resoluções Conama n.ºs 274/2004, 334/2004 e 357/2005, bem como a Portaria n.º 518 do Ministério da Saúde. Ex- Assessor Jurídico da Fundação Macaé de Cultura e Ex- Assessor Técnico da Direção Geral do Hospital Regional de Barra de São João. Ex-Presidente da OAB Jovem, na 15ª Subseção (Macaé/RJ).