A reserva de cargos e o caso dos negros norte-americanos

JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: PERSPECTIVAS E CONCEPÇÕES
Capítulo 10
Cargos públicos, segundo Michael Walzer
4ª parte
A reserva de cargos e o caso dos negros norte-americanos

Atualmente muito tem se falado em reserva de cargos/vagas públicas para negros, egressos de escolas públicas e até mesmo índios, além da previsão já antiga da possibilidade de se contemplar portadores de necessidades especiais. No Brasil, no último dia 09 de junho, a presidenta Dilma sancionou a Lei nº 12.999/2014 que que trata da reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Uma questão política fundamental tratada por Michael Walzer é a justiça das quotas ou cargos reservados, para os quais é necessária afiliação a algum grupo, embora essa talvez não seja uma qualificação suficiente.

Certo cargos, digamos, são exercidos de maneira desproporcional pelos membros de uma raça ou por pessoas com origens étnicas ou afiliações religiosas comuns. Se a justiça requer ou constitui obrigatoriamente um só padrão reiterado, será preciso convocar os legisladores e os juízes para definirem as proporções justas. Seja qual for a distribuição de cargos prevalecente dentro do grupo mais próspero ou poderoso, terá de ser reiterada dentro de todos os outros grupos. Quanto mais perfeita a reiteração, mais certeza podemos ter de que determinados candidatos não estão sofrendo devido a sua afiliação.

É característica dos governos imperialistas que os cargos essenciais do Estado e da economia sejam colonizados por estrangeiros. Assim que se conquista a independência, começa a luta pela recuperação desses cargos. É quase sempre uma luta travada de maneiras brutais e injustas, mas não é injusto, em si, que a nação recém-liberta procure preencher suas vagas burocráticas e profissionais com seus próprios cidadãos. Nessas circunstâncias, o nepotismo coletivo e a reserva de cargos podem muito bem ser legítimos. Mas, como esse exemplo indica, a reserva só é possível depois de traçados os limites entre membros e estrangeiros.

O caso dos negros norte-americanos

Neste ponto, é importante ser o mais concreto possível. Walzer trata em sua obra especialmente sobre os problemas imediatos dos negros norte-americanos, que surgem no contexto de uma história dolorosa. É, em parte, uma história de discriminação econômica e educacional, portanto, o número de negros detentores de cargos na sociedade norte-americana tem sido (pelo menos até bem recentemente) mais baixo do que deveria ser, dados os níveis de qualificação dos candidatos negros. O mais importante é ser uma história de escravidão, repressão e degradação, portanto, a cultura da vizinhança e as instituições comunitárias negras não sustentam os esforços de se qualificar como o fariam se tivessem se desenvolvido em condições de liberdade e igualdade racial. (Podemos dizer isso sem afirmar que todas as culturas e comunidades, mesmo nas condições ideais, ofereceriam tipos idênticos de apoio).

Na nossa cultura presume-se que as profissões são acessíveis aos talentos, e que os escolhidos para os cargos querem ter certeza de que foram escolhidos porque possuem mesmo, em grau maior que os outros candidatos, os talentos que a comissão de seleção acredita serem necessários para o cargo. Os outros candidatos querem a certeza de que seus talentos foram avaliados com seriedade. E todos nós queremos saber se ambas as garantias são verdadeiras.

Qualquer argumentação a favor da reserva de cargos deve conter uma descrição da crise atual e um relato minucioso da inadequação de medidas alternativas. Para o ilustre autor, a reserva de cargos parece mais um último do que o primeiro recurso – embora surja depois de muitos anos de inércia. O motivo de ter-se transformado em primeiro recurso é que, embora transgrida direitos individuais, não representa uma ameaça para as hierarquias estáveis ou toda a estrutura de classes. A finalidade da reserva de cargos, pois, é reiterar a hierarquia, e não refutá-la ou transformá-la. Pelo contrário, as medidas alternativas, embora violassem os direitos individuais, exigiriam uma redistribuição significativa de riquezas e recursos (favorecemos, digamos, um compromisso nacional com o fim do desemprego). Mas isso seria uma redistribuição alinhada com os entendimentos sociais que dão forma ao Estado, de bem-estar social e, embora a oposição pudesse ser forte, é mais provável que a redistribuição das riquezas tenha resultados duradouros do que a reserva de cargos.

A reserva de cargos tem outra característica que talvez ajude a explicar a sua recepção favorável (entre as alternativas, com certeza nenhuma das quais recebendo forte apoio das elites políticas contemporâneas). Em princípio, as pessoas às quais foram negados os cargos em consequência da reserva serão simplesmente os candidatos (brancos) mais marginais, seja qual for a interpretação das qualificações e, por conseguinte, da marginalidade, que determinadas comissões de seleção adotem. Haverá repercussão em todas as religiões, grupos étnicos e classes sociais. Na prática, contudo, é certo que a repercussão será menos difusa e, portanto, menos ameaçadora para indivíduos e famílias poderosas, Será sentida, sobretudo, pelo próximo grupo mais desprivilegiado, pelas pessoas cuja cultura de vizinhança e cujas instituições comunitárias não lhes proporcionem muito mais apoio do que os candidatos negros recebem de sua própria cultura e de suas próprias instituições. A reserva não realizará a profecia bíblica segundo a qual os últimos serão os primeiros; vai garantir, no máximo, que os últimos sejam os penúltimos. Não há como evitar esse resultado, a não ser aumentando o número de grupos para os quais haja reserva de cargos e transformando o programa corretivo em algo muito mais sistemático e permanente. As vítimas da consideração desigual virão do grupo mais fraco ou do próximo mais fraco. A não ser que esteja disposto a abrir mão da própria ideia de qualificação, não se pode distribuir ainda mais os custos.

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