Passei o ano de 2004 e metade do de 2005 travando uma dramática batalha pública para que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça respeitasse o direito que, como desempregado, eu tinha à priorização do julgamento do meu caso.
Com queixas a várias instituições e entidades, além de denúncias pela imprensa, finalmente consegui que o processo fosse pautado e julgado, passando a receber uma pensão mensal vitalícia como reparação por tudo que sofrera no já longínquo ano de 1970: torturas bestiais, uma lesão permanente e, como consequência da ação espúria dos agentes do Estado, gravíssima estigmatização.
Daquela vez, frequentemente acusei de insensíveis as burocracias que tinham meu destino e até minha vida nas mãos (pois o desemprego me levara a uma situação desesperadora).
O que nunca imaginei é defrontar-me uma segunda vez com a mesmíssima insensibilidade -para não dizer rancor. É o que está acontecendo agora.
E, se levei 50 meses para desatar o nó do reconhecimento da minha condição de vítima da ditadura, agora são 86 meses em que um mandado de segurança permanece inconcluso, o que é um assombro e uma aberração até mesmo pelos padrões brasileiros.
Só me restou iniciar uma nova batalha pública. É o que acabo de fazer, enviando às comissões de direitos humanos da Câmara dos Deputados e do Senado, ao ouvidor-geral da União, à OAB nacional e à Anistia Internacional a seguinte mensagem:
Peço sua intervenção contra o grave abuso de poder que venho sofrendo por parte da Advocacia Geral da União, que utiliza seu arsenal jurídico não para servir à causa da Justiça, mas sim para retardar ao máximo o cumprimento de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que me favoreceu por unanimidade: 8x0 no julgamento do mérito da questão!
Já lá se vão 7 anos e 2 meses desde que dei entrada no meu mandato de segurança; e 3 anos e 2 meses desde o julgamento. Precisarei ser eterno para receber aquilo a que tenho pleno direito?!
Eis o histórico do caso:
Como parte da reparação a mim concedida pelo ministro da Justiça em função dos danos físicos, psicológicos, morais e profissionais que a ditadura militar me causou em 1970, adquiri em outubro de 2005, por portaria do exmo. ministro da Justiça, o direito a uma indenização retroativa, correspondente aos 35 anos transcorridos entre as violências que sofri e o início do pagamento da minha pensão mensal vitalícia.
Depois de passar 15 meses esperando que a União depositasse o montante de tal indenização retroativa (que, pela lei que criou o programa federal de anistia a ex-presos políticos, deveria ser paga em até 60 dias), decidi ingressar com mandado de segurança para recebê-la.
Logo em seguida, sem alterar a lei nem as regras do programa, o Governo instituiu um plano de pagamento parcelado, ao qual os anistiados deveriam aderir voluntariamente.
Preferi não fazê-lo, pois meu mandado de segurança já tramitava no STJ. E, desde então, a Advocacia Geral da União tudo tem feito para retardar o desfecho inevitável.
O mérito do caso foi julgado em 23/02/2011: "A seção, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do voto do sr. Ministro relator".
A sentença não poderia ser outra, porque, em termos legais, não está errado quem exige o cumprimento estrito das leis e normas em vigor. Portanto, eu jamais poderia ser punido por não haver aceitado uma proposta do Governo que, teoricamente, era voluntária, não compulsória.
Mas, é exatamente o que acontece: uma retaliação dissimulada, por vias burocráticas.
Com um arsenal inesgotável de medidas protelatórias, a AGU já conseguiu empurrar o caso até este ano de 2014 -que, por sinal, é o ano no qual deverão ser zerados todos os débitos com os anistiados, se não houver prorrogação.
A última dessas saídas pela tangente foi no sentido de que mandado de segurança não se aplicaria ao processo em questão. O relator anterior, Luiz Fux, já rechaçara tal alegação... em 2007! E o STJ também a desconsiderou em vários outros feitos.
Espantosamente, o novo relator, Napoleão Nunes Maia Filho, a acolheu, numa decisão monocrática que cancelou os efeitos do que oito dos seus colegas haviam decidido em pleno julgamento.
Depois que meus patronos contestaram a bizarra decisão, o processo simplesmente não andou mais. A última vez em que o relator tocou nele foi em agosto de 2012!!!
O próprio Estatuto do Idoso está sendo desrespeitado, pois me garante celeridade nos procedimentos judiciais. Processos totalmente parados há um ano e meio estão longe de serem céleres.
Meu processo é o de nº 0022638-94-2007.3.00.0000. Uma simples consulta é suficiente para se constatar a veracidade de tudo que afirmei.
Sou um cidadão polêmico, detestado por muitos. Mas, durante 46 anos da minha vida consciente venho travando o bom combate; e nos últimos tempos, com forte ênfase na defesa dos direitos humanos.
É patético que justamente meus direitos humanos estejam sendo, mais uma vez, atingidos. (Celso Lungaretti)