Justiça Distributiva: Perspectivas e Concepções (Parte 7) )

Capítulo VII
A teoria da igualdade segundo Ronald Dworkin – Primeira Parte

Em seu livro “A virtude soberana: A teoria e a prática da igualdade”, Ronald Dworkin o divide em duas partes: Na teórica, Dworkin debruça-se sobre a igualdade, almejando um conceito exigente diante das perspectivas existencial, econômica e jurídico-política. E sua forma prática, perquire sobre o modo pelo qual a igualdade se concretiza nas nuanças que mais diretamente afetam o mundo atual, ou seja, a política de saúde, a garantia de acesso às mesmas oportunidades de trabalho e as políticas de superação do confinamento social. Embora parta de uma perspectiva britânico-americana, sua reflexão almeja validade universal. E é nesse tempo de profundas e velozes transformações que ele pretende tecer um conceito de igualdade aplicável às sociedades plurais contemporâneas.

A teoria da igualdade de Dworkin deve disciplinar um cenário que é marcado por ao menos três dimensões: jurídico-política, econômica e moral.

Como o Direito pode responder legitimamente aos dilemas postos por nossas dicotomias? Como no seio desta sociedade complexa, altamente especializada, podem-se ordenar condutas de modo legítimo?

Não parece aceitável esquecer que a legitimidade para o exercício do poder tende a se perder nos aparatos burocráticos. Tendo essa advertência como pano de fundo, tanto na Filosofia quanto no Direito, há um consenso de que a tarefa específica do Estado consiste em efetivar e institucionalizar os direitos fundamentais. Por que efetivar os direitos fundamentais? Por que efetivar e institucionalizar? Porque quem dispõe da faculdade de efetivar pode negar-se a realizar tal tarefa. Daí por que preciso mais do que a tarefa de efetivação. E necessário que a estrutura estatal seja concebida como instituição dos direitos fundamentais. Como fazer isso? Criando mecanismos institucionais que tornem os direitos fundamentais origem e finalidade não apenas do Estado, mas de todas as instituições, inclusive as não-estatais.

Um primeiro passo seria a criação de uma burocracia altamente profissionalizada, restringindo ao máximo a perspectiva do governante de nomeações para cargos de confiança. Do mesmo modo, não é permitido esquecer que o mandato no Estado Democrático de Direito é representativo. Aqui, como alhures, é como se o mandato fosse imperativo, isto é, os governantes dispõem do serviço público da forma que lhes é mais conveniente, a fim de acomodar seus interesses e distribuir benesses. Como entendem que o Estado lhes pertence, fazem das políticas estatais moedas de troca. Com uma burocracia estatal, profissional e especializada, os direitos fundamentais podem ser institucionalizados como gênese e, ao mesmo tempo, propósito das políticas públicas. Assim, blinda-se o exercício do mandato representativo contra os voluntarismos típicos dos Estados ditatoriais.

Na esfera econômica, por conseguinte, há um realinhamento do eixo capital-trabalho. Aquilo que, desde a Revolução Industrial, define a produção de riquezas passa a coexistir com, ao menos, mais dois vetores econômicos: o mercado de capitais e o capital especulativo. Esses dois novos atores do cenário econômico propiciam o surgimento de uma dimensão desconhecida pela Economia clássica e que agora obriga as políticas econômicas a reverem suas estruturas.Trata-se dos polos incluídos-excluídos.

Ora, o eixo da relação fabril de produção baseia-se no processo estabelecido entre trabalho e detenção dos meios de produção. Tem-se com isso a formalização do trabalho mediante a limitação das oportunidades de emprego e a oferta ilimitada de mão-de-obra. O déficit entre oferta e procura é a mola propulsora do capitalismo fabril. É por meio deste processo que a mais-valia é possível.

Pode-se dizer que a estrutura simbólica do século XX circunscreve-se à relação capital-trabalho. Não apenas ideologicamente, com a formação de sindicatos de trabalhadores e associações patronais, mas também as políticas sociais têm em vista a organização da sociedade em torno do trabalho. Em seu entorno, baseia-se toda a teia de políticas e programas sociais.

Contudo, a sofisticação das relações econômicas redundou em aproveitamento cada vez menor de mão-de-obra desqualificada, reservando a esta trabalho esporádico e informal; à produção fabril, fundada na apropriação do trabalho pelos que detém os meios de produção, sucede a automação da produção, com a consequente dispensa permanente e extinção dos postos de trabalho, e à produção sucede um movimento de capitais cujo eixo se encontra ma reprodução autopoietica do capital.

A esse movimento se seguiram forte onda de desemprego e esfacelamento das políticas sociais. As perguntas que emanam desse contexto são: como enfrentar o problema do desemprego? Como remunerar o trabalho e a aposentadoria? Vale lembrar que o aparato estatal tributa os meios de produção e o trabalho, tendo em vista o financiamento dos projetos sociais que visam salvaguardar os sujeitos passivos da mais-valia: os trabalhadores.

Aqueles que são atores do processo econômico atual permanecem circunscritos às suas inovações e diretrizes. Eles são, ao mesmo tempo, pólo passivo e ativo do sistema das necessidades que lhe é intrínseco. E as políticas públicas são o repositório que tenta corrigir as distorções ou aviltamentos próprios ao desequilíbrio entre oferta e procura.

O problema é que este processo econômico, e seu sistema das necessidades, refere-se àqueles que gravitam em torno da atividade econômica, deixando à mercê do anonimato e da anomia todos os apátridas do trabalho. Em resumo, os processos gira ao redor daqueles que agora são definidos como economicamente ativos ou inativos. E aqueles que estão definitivamente afastados de tal processo, aqueles que não são nem ativos nem inativos, ou seja, os excluídos?

Como, então, articular um conceito de igualdade que contemple a diversidade cultural? Como perquirir sobre a igualdade de fato quando se é excluído do processo de produção de riquezas? Como exigir de alguns o cumprimento de normas que nem mesmo podem ser consideradas como obrigação para muitos? Requerer igualdade quando são oferecidas as mesmas oportunidades e horizontes é bem diferente de exigir o seguimento de normas que não fazem sentido exatamente por desconhecerem sua materialidade cultural, econômica ou jurídica.

A igualdade é um ideal político popular, mas misterioso. As pessoas podem tornar-se iguais (ou, pelo menos, mais iguais) em um aspecto, com a consequência de tornar-se de desiguais (ou mais desiguais) em outros, Se têm renda desigual, por exemplo, é quase certo que venham a diferir na quantidade de satisfação que encontram na vida. Não se concluir, certamente, que a igualdade não tenha valor como ideal. Contudo é necessário declarar, com mais exatidão do que se costuma fazer, que forma de igualdade é decisivamente importante.

A igualdade distributiva definida por Dworkin não trata da distribuição de poder político, por exemplo, ou dos direitos individuais que não os direitos a certa quantidade ou parcela de recursos. A primeira teoria geral da igualdade tratada por Dworkin é a chamada de igualdade de bem-estar, afirma que o esquema distributivo ou transfere recursos entre elas até que nenhuma transferência adicional possa deixá-las mais iguais em bem-estar. A segunda (igualdade de recursos) afirma que as trata como iguais quando distribui ou transfere de modo que nenhuma transferência adicional possa deixar mais iguais suas parcelas do total de recursos. Cada uma dessas duas teorias é muito abstrata porque há muitas interpretações da definição de bem-estar, e também diversas teorias sobre o que se poderia considerar igualdade de recursos. Por conseguinte, mesmo nessa forma abstrata, deve estar claro que as duas teorias oferecem conselhos diferentes em muitos casos concretos.

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