Delfim como papagaio de pirata do ditador Costa e Silva |
"Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria", afirmou Delfim Netto, referindo-se à sua ignóbil assinatura no hediondo Ato Institucional nº 5. Ou seja, ainda hoje ele seria capaz de apoiar o elenco de medidas que desencadeou o arbítrio sem quaisquer limites.
O AI-5 proibiu o Judiciário de conceder habeas corpus para os perseguidos políticos, dando à ditadura militar sinal verde para torturar os resistentes a bel-prazer, além de outras disposições totalitárias: reforçou os poderes do presidente da República para decretar estado de sítio, intervenção federal, suspensão de direitos políticos, restrições ao exercício de direitos públicos ou privados (principalmente o afastamento dos subversivos de suas profissões), cassação de mandatos eletivos, imposição de recesso ao Congresso, assembléias legislativas e câmaras municipais, etc.
Delfim foi convocado para depor na Comissão da Verdade do município de São Paulo e eram favas contadas que ele não perderia as estribeiras, dando espetáculo tão patético quanto o do torturador-símbolo da Nação, Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao comparecer à Comissão Nacional da Verdade.
Speer: condenado, como mereceu! |
Não, ele é ave de outra plumagem; os serenos mandantes, que não chegaram a ter uma gota sequer de sangue nos seus ternos chiques, se diferenciavam em muito dos destrambelhados paus mandados, aqueles cujas fardas ficaram emporcalhadas com o sangue das vítimas.
No entanto, foi acintosa e repulsiva a afirmação de Delfim, segundo quem o AI-5 teria sido necessário porque o país "estava num estado de desarrumação geral". Impor a paz dos cemitérios nunca foi método de arrumação.
Caso houvesse ocorrido aqui um julgamento como o de Nuremberg, mais do que justificável nas circunstâncias, decerto Delfim Netto seria condenado como o foi, p. ex., o arquiteto do Reich, Albert Speer, que também não era pessoalmente responsável por nenhuma tortura ou assassinato, mas tinha total responsabilidade política por um governo monstruoso.
Curiosamente, as desculpas esfarrapadas de ambos foram as mesmíssimas. Delfim alegou que desconhecia as torturas e teria até chegado a indagar do carrasco Médici se elas existiam, sendo tranquilizado. Acredite quem quiser.
Speer foi mais longe, afirmando ter participado do planejamento de um atentado contra Hitler que acabou não ocorrendo (claro!).
Em ambos os casos, nenhuma pessoa viva corroborou as versões daqueles a quem convinha mentir.
Uma camaradagem escrita nas estrelas |
O paralelismo se deu, inclusive, quanto às provas fotográficas.
Speer foi confrontado com uma imagem dele visitando o campo de concentração de Mauthausen, mas garantiu que era apenas uma viagem protocolar e não lhe teria sido mostrado nada que caracterizasse o Holocausto.
Esfregaram no nariz do Delfim uma foto em que aparece alegremente ao lado do empresário-símbolo do financiamento à repressão, mas ele, presumivelmente, negou que conhecesse tal faceta de Henning Boilesen. Acredite quem quiser.
Uma sentença como a de Speer, de 20 anos de prisão, teria caído muito bem para o gordo ministro (ou seria melhor dizermos sinistro?) da ditadura.
* jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com