Estive alguns dias fora do ar, suportando os transtornos de uma mudança de residência indesejável.
Jamais perdoarei os responsáveis pelas aflições a que eu não deveria estar mais sujeito aos 62 anos, depois de uma vida inteira de lutas.
Vamos aos fatos.
Em outubro de 2001, com a companheira grávida e péssimas perspectivas financeiras pela frente, ingressei no programa de anistia federal, depois de resistir durante muito tempo à idéia de pleitear compensação pelo que fizera em nome de meus mais sagrados ideais. Concluí, no entanto, que eu tinha o direito de sofrer por minhas convicções, mas não de, em nome delas, impor sofrimento aos meus entes queridos.
Tive de lutar muito e superar antigos preconceitos, inclusive esclarecendo qual havia sido o meu verdadeiro papel histórico, até começar a receber uma pensão vitalícia de vítima da ditadura com lesão permanente adquirida nas câmaras de tortura militares.
Além do pagamento mensal iniciado em janeiro/2006, a portaria do ministro da Justiça estabeleceu que eu fazia jus ao mesmo valor multiplicado pelo número de meses transcorridos entre a violação extrema dos meus direitos humanos e o primeiro ressarcimento por parte da União.
Trata-se da chamada indenização retroativa, cujo pagamento as normas da Comissão de Anistia estabelecem que seja efetuado num prazo de 60 dias.
O governo simplesmente ignorou tal obrigação, no meu caso e nos de todos os outros beneficiados, ao longo de 2006. Então, necessitando dessa quantia para pagar as dívidas acumuladas em dois anos de desemprego, reconstruir minha vida e arcar com as despesas acarretadas pelos muitos dependentes que possuo, resolvi buscar meu direito na Justiça.
Mal eu acabava de dar entrada no mandado de segurança nº 0022638-94-2007.3.00.0000, a União finalmente anunciou um plano para pagamento dos retroativos, só que em parcelas mensais a perderem-se de vista (teoricamente, o débito deverá ser zerado em 2014, mas quem garante que não vá haver nova prorrogação?).
Não querendo, por motivos políticos, alterar as normas do programa, o governo convidou os anistiados a abdicarem voluntariamente do seu direito ao recebimento total do retroativo em dois meses.
Quem, contudo, não se vergou à vontade do rei, passou a ser retaliado com o retardamento artificial dos trâmites, o recurso às mais ridículas manobras protelatórias por parte da Advocacia Geral da União e, talvez, articulações de bastidores (impossíveis de serem provadas, mas o primeiro ministro incumbido do meu processo no STJ foi o Luiz Fux, cuja rapidez em conceder liminar, seguida de um incompreensível recuo, me causaram estranheza, maior ainda depois de tomar conhecimento das acusações que o Zé Dirceu lhe faz...).
O certo é que o julgamento do mérito da questão só se deu quatro anos depois que eu ingressei com a ação! E venci por 9x0, em fevereiro/2011.
Mesmo assim, novas filigranas jurídicas estão sendo utilizadas para retardar indefinidamente o cumprimento da decisão unânime e incontestável. A vendetta dos que têm muito poder, mas nenhuma razão, atinge duramente a mim e ricocheteia sobre meus dependentes.
Acabo de me mudar compulsoriamente para outro apartamento alugado, embora há muito devesse estar de posse dos recursos que me permitiriam adquirir minha morada definitiva.
E tive de fazer a mudança a toque de caixa, sob ameaça de iminente mandado de despejo, pois não pude negociar com o proprietário o reajuste por ele pretendido, sob uma Lei do Inquilinato que coloca o direito à ganância acima do Estatuto do Idoso e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Tudo é sempre muito difícil para mim, mas morrerei dando o exemplo de que devemos resistir com todas as nossas forças ao arbítrio (assumido ou maquilado), sem trocarmos as convicções por conveniências.
Sou um anacronismo na geléia geral brasileira: um homem de princípios. E muito padeço como consequência disto.
Atualmente, p. ex., esforço-me ao máximo para obter uma solução para minhas agruras sem fazer denúncias mais categóricas pela imprensa nem recorrer à rede mundial de defesa dos direitos humanos. Há muito poderia ter ido nessas direções, mas venho até agora evitando fornecer trunfos para os reacionários desqualificarem um programa digno, justo e necessário (apesar das distorções na sua implementação).
Há, no entanto, um limite para as atribulações que eu aceitarei impor aos meus dependentes. Repito: eles não merecem ser retaliados juntos comigo.