Poema entre dois olhares

"Ninguém poderá antever o primeiro poema entre dois olhares. Não, apenas existem rascunhos dos momentos anteriores, papel escrito por pensamentos, vontades, expectativas, inquietação. Mas o poema, este só será escrito no preciso segundo em que se dá o conhecimento. Mas me permite que eu fale o que aconteceu antes: na inesperada visita que fizeste à minha vida, deixa que te conte a confusão, o turbilhão, o sorriso, o tempo ocupado, as palavras que se formaram por entre as nossas conversas. Por entre o som da voz mesmo que distante. Não é no trunfo das palavras que se faz a frase do presente, mas é sim, no dedilhar da entrega, do hábito que é novo e presente. Do hábito que renomeia outros anteriores, que é sentido como a chave polivalente que se promete no entrar, na abertura da porta ou da janela sobre a alma.
Não me assusta a chuva, os trovões, as poças d`água, a distância, os bloqueios fermentados do ontem, não me assusta até quem sabe o teu receio. Não me assusta o tempo que possa demorar até sentir o abraço pleno, a divisão do beijo, a reminiscência do teu corpo no encontro do meu, a inquietação da incerteza que paira por nós porque eu sinto. Eu divago, eu quero e por querer persisto e procuro. Avanço com os olhos abertos, mesmo que por momentos, pare, olhe novamente e dê o passo. Mesmo que nos limites do que sou, exista a impaciência, o querer já, o querer agora, o querer tudo, mas neste caminho eu aguardo por acreditar que é possível que nada nos impossibilita de lá chegar. E continuo sem medo do estilhaço, sem medo do que possa acontecer.
Mostro-me, mostro-me a ti para que te permitas conhecer-me, para que consigas entender quais os dias em que sou doce, ou ácida, ou indigesta. Quais os momentos em que insurjo e talvez te surpreenda, quais os momentos em que fujo e perco-me pelo labirinto do que sou, qual o segundo em que pego numa incerteza e a recrio certeza. Desnudo-me para que conheças como cresci, que apreendas a minha história antes de ti, o meu percurso, os erros, as volatilidades sentidas, os sentires ancestrais, tudo o que me fez ser quem sou.
A menina que te procura pra se aconchegar em teu peito, a mulher que observa até que possa concluir, a menina que não gosta de solidão, a mulher que procura pelos instintos da pele, a menina que vagueia perdida pelos dias, a mulher que se consome em desejo, a menina que acredita e confia. A mulher que é descrente e que se sente cansada, a menina que sorri para ti, a mulher que te provoca, a menina que é mimada quando a noite cai, a mulher que te dá o alimento pelas palavras.
A menina e a mulher, menina-mulher que sobe no galope das fantasias e te agarra pra que fiques, pra que vejas, pra que não tenhas medo, pra que acredites. Sim, a menina-mulher que entrega a mão pra caminhar, pra que olhes pra ela e reconheças o que tens diante de ti.
Te ofereço o poema que trago em mim.
A luz e a escuridão que criam raízes no meu eu mais profundo."
(V. Silvestre)
Foto do arqivo de imagens do Google.
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