A produção e o uso de maconha com fins medicinais é legal em Israel. Foto: mista stagga lee/CC-BY-2.0
Kibbutz Na’an, Israel, 20/12/2012 – Com as mãos tremendo, o octogenário Moshe Roth apenas consegue colocar o pó verde dentro de seu cachimbo. Sentado em uma cadeira de rodas, murmura com voz trêmula: “até o arome é rico”. Roth sobreviveu ao Holocausto e a uma apoplexia, há dois anos, que quase lhe custou a mobilidade das mãos, e no ano passado perdeu sua mulher. Mas a vida é um pouco mais fácil agora, graças à maconha.
“Sofrer a perda de um ser querido é mais tolerável com um bom cachimbo nos lábios”, sorri. “Mudou minha vida. imagino que caminhamos de mãos dadas. Oh, minha sempre jovem e amada beleza”, diz este israelense que em seus momentos livres é escritor e pintor, em um emotivo elogio diante da foto em preto e branco de sua mulher. Depois de uma cachimbada, Moshe consegue pintar ou escrever com sua inspirada e segura mão. Ele é um dos dez mil pacientes que fumam legal e livremente maconha em Israel.
Na casa para idosos Hadarim, a maconha faz parte do tratamento médico. De fato 19 dos 36 pacientes que abriga consomem cannabis por prescrição médica. “Sabemos como prolongar a vida, mas a dor é enorme. Em geriatria, o futuro já não importa. O que importa é o agora, como agregar qualidade de vida à longevidade”, explica a encarregada de enfermaria Inbal Sikorin, enquanto abre bolsas com pó e flores.
Extraída com uma seringa e dissolvida em iogurte três vezes ao dia em doses de meio grama, a maconha diminui drasticamente a necessidade de remédios, afirmam médicos, enfermeiras e pacientes. “Por que usar calmantes? Me sinto muito bem com cannabis”, disse Rivka Haloup, de 85 anos, com artrite severa.
Pacientes com Parkinson inalam a fumaça em um vaporizador seis vezes por dia, ajudados por uma enfermeira que usa uma máscara. Mas o efeito mais potente é obtido fumando um baseado. “A maconha não muda a realidade, mas faz com que seja aceita mais facilmente”, disse Sikorin. “Na sua idade é uma benção”, acrescenta a enfermeira. A “benção” procede da localidade de Birya, nas montanhas da Galileia.
Enquanto cerca de 200 milhões de pessoas consomem maconha de forma ilegal no mundo, para Israel a coisa é séria. A produção e o uso medicinal são legais neste país. um forte setor de pesquisa supervisionado pelo governo faz deste país um dos mais afins à maconha no mundo.
A indústria local floresce. Em pouco mais de um hectare a plantação de Tikkum Olam é a maior dos oito viveiros autorizados pelo Ministério da Saúde para cultivar maconha. Centenas de quilos são produzidos por ano legalmente. “Tikkum Olam” significa “acertando o mundo”, com um preparado de maconha médica. “Distribuímos cannabis a pacientes através de nossa rede de lojas”, explicou o responsável por pesquisa e desenvolvimento, Zack Klein.
A empresa tem sede na avenida Ibn Gvirol, em Tel Aviv. Um guarda e câmeras de circuito-fechado de televisão garantem a segurança do lugar. Não há cartazes na porta e a persiana de metal está baixada. Mas, uma vez dentro, surge um mundo verde. O arborizado logotipo da empresa menciona o salmo 118:23: “Isto é obra do Senhor, maravilhoso aos nossos olhos”.
Os pacientes com neuralgia crônica dizem que a maconha é o único medicamento cujos efeitos secundários são bem-vindos. “Lidei todos os analgésicos, sedativos e outros não opiáceos”, diz um deles. “Isto é o que realmente me ajuda”, garante. Mas Tel Aviv não é Amsterdã, onde se tolera a maconha. A erva vem em diversas formas, desde chocolate e torta passando por chicle, caramelo, até mel e unguento. Na balcão os clientes recebem assessoramento sobre como obter melhor rendimento.
Menachem Barabi teve quatro apoplexias. Ele compra 60 gramas de maconha por mês por cerca de US$ 100. “Tinha muita dor, não podia dormir. Felizmente passei a tomar cannabis”, afirmou. Guy Bar-Yosef conta que “perdi o apetite e emagreci 10 quilos. Comecei a fumar e logo voltei a comer. É sã, uma panaceia, uma poção mágica”, acrescenta.
As 12 cepas desenvolvidas pelos agrônomos da companhia costumam levar nomes de pacientes. O porta-voz da Tikkum Olam, Shay Amir, aponta para as amostras expostas nas prateleiras.
“Este é nosso principal produto, ‘Erez”, um grande analgésico, além de estimulante do apetite e do sono. Você toma e trabalha sem perder os sentidos. Este outro, o ‘fim dos tempos’, é excelente para esclerose múltipla ou osteoporose, diz Amir. Este outro, ‘Raphael’, leva o nome de Raphael Mecolulam, professor de química médica da Universidade Hebreia de Jerusalém, ‘o avo da cannabis’, como o chamam. É um excelente medicamento para certas coisas. Nada é excelente para todos, segundo Mechoulam”, acrescenta.
O composto psicoativo tetrahidrocannabinol (THC), ou seja, o principal elemento ativo da maconha, foi isolado pela primeira vez por Mechoulam em 1964. Este ano, uma nova cepa contém cannabidiol (CBD) como composto ativo, e não THC, que foi desenvolvido para consumo de alguns pacientes, como crianças com câncer. Há estudos mostrando que o CBD alivia inflamações, convulsões, ansiedade, depressão, desordem por estresse pós-traumático, esquizofrenia e náuseas. Atualmente é utilizada por 500 dos dois mil clientes da Tikkum Olam.
Israel lidera as pesquisas sobre o uso médico da cannabis, segundo Mechoulam. “As autoridades veem os resultados e não podem dizer não”, acrescenta. Aqui, como na maioria dos países, o uso recreativo da maconha é proibido. Mas, às vezes, o limite entre o uso médico e o recreativo se torna obscuro.
“As pessoas enfermas estão decaídas”, disse Klein, responsável de pesquisa e desenvolvimento da Tikkun Olam. “quando com somem THC, parecem normal”, acrescentou.
Agora, pesquisadores e produtores se preparam para um novo passo. O governo estuda sua distribuição através de farmácias a partir do ano que vem, “como qualquer outro medicamento”, disse Mechoulam. “Israel pode ser um exemplo, pois oferece alternativas ao tratamento convencional. A cannabis é uma delas”, explicou a diretora da Tikkun Olam, Ma’ayan Weisberg. “E é orgânica”, acrescentou. Envolverde/IPS
(IPS)