Para salvar o glifosato, um agrotóxico cancerígeno a empresa enfrenta o Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer
Financiamentos ameaçados, cientistas denegridos, assédio judiciário… Seriam muitas as manobras de desestabilização da entidade, segundo documentos revelados na edição desta sexta-feira (2/6) do jornal vespertino francês Le Monde, batizados de “Monsanto Papers“.
Em entrevista à publicação, Christopher Wild, diretor do Circ, diz que eles já foram atacados e já sofreram campanhas para denegri-los, “mas, desta vez, somos alvo de uma campanha orquestrada, de uma amplitude e de uma duração inéditas”.
“Há dois anos uma artilharia visa a instituição que ele dirige: a credibilidade e a integridade do seu trabalho são desafiadas, seus experts denegridos, assediados por advogados, seus financiamentos fragilizados”, diz a reportagem.
Encarregada há cerca de meio século, sob o auspício da Organização Mundial da Saúde (OMS), de fazer um inventário das substâncias cancerígenas, a agência começa a vacilar sob os ataques.
As hostilidades começaram em uma data bem precisa: 20 de março de 2015. Nessa data, o Circ anunciou as conclusões da sua “monografia 112”, que deixou o mundo todo boquiaberto. Ao contrário da maioria das agências regulamentares, o Circ julga o glifosato como genotóxico –ou seja, que danifica o DNA -, cancerígeno para os animais e provavelmente para os homens. A substância é o pesticida mais usado do planeta, principal composto do Roundup, o produto carro-chefe da Monsanto.
“É também o leviatã da indústria agroquímica. Utilizado há mais de 40 anos, o glifosato entra na composição de nada menos que 750 produtos comercializados por uma centena de empresas em mais de 130 países”, escreve o Le Monde.
“Junk science”
Entre 1974, ano em que entrou no mercado, e 2014, seu uso passou de 3.200 toneladas para 825 mil toneladas – um aumento espetacular devido à adoção maciça de sementes geneticamente modificadas para tolerar a substância, do tipo “Roundup ready”.
Quando o estudo foi publicado, a Monsanto o qualifica de “junk science” (ciência do lixo): uma “seleção parcial” de “dados limitados”, estabelecida em função de “motivações escusas”, levando a uma decisão tomada após apenas “algumas horas de discussão durante uma semana”.
“Nunca antes uma empresa havia posto em cheque, em termos tão crus, a integridade de uma agência sob responsabilidade da ONU. A ofensiva foi lançada”, explica o Le Monde.
Mas os documentos revelados desde o início do ano pela Justiça norte-americana, durante processo contra a Monsanto, revelam correspondências internas, que mostram que a empresa tinha conhecimento desde 1999 do caráter mutante do glifosato e que encomendou um estudo para convencer as agências regulatórias da idoneidade do agente.
Na RFI (Rádio França Internacional)