Barra do Furado

Poucas pessoas conhecem a história de Barra do Furado. Ela é tão antiga quanto a fundação da Vila de São Salvador de Campos dos Goytacazes, no século XVII. A primeira intervenção de monta feita por mão humana no ambiente regional coube ao Capitão José de Barcelos Machado, um dos herdeiros dos Sete Capitães, iniciadores de uma colonização contínua em estilo europeu da região. O capitão era dono do Morgado de Capivari, ao sul da Lagoa Feia, que desaguava no mar pelo Rio Iguaçu, formado por vários canais naturais da grande lagoa. O curso do Iguaçu dirigia-se ao Açu. Depois de colher águas do Canal do Cula e do Rio Água Preta e de formar o Banhado da Boa Vista, ele se lançava no mar pela Barra do C onzoza.
Para agilizar a drenagem de águas de cheia, o Capitão abriu uma vala ligando um dos desaguadouros da Lagoa Feia ao mar, em 1688. Assim, ele criou a Vala do Furado. Como o mar, na costa baixa e lisa entre os Rios Macaé e Itapemirim, é violento, tão logo as águas acumuladas no continente baixavam, a foz da Vala do Furado era tapada pelo mar e o escoamento continuava a se processar pelo Rio Iguaçu. Foi na barra da vala que se ergueu a localidade de Barra do Furado.
Em 1898, o engenheiro Marcelino Ramos da Silva concebeu um canal mais eficiente para o escoamento de águas de cheia da Baixada dos Goytacazes. Chamou-se Canal de Jagoroaba ou de Ubatuba, ligando a Lagoa Feia ao mar no ponto mais próximo entre os dois. O canal não surtiu o efeito esperado, como advertiu o engenheiro Saturnino de Brito. Só na década de 1940, foi aberto o Canal da Flecha (e não das Flechas) pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Os extravasores da Lagoa Feia e o Rio Iguaçu foram cortados pelo novo canal e perderam a função de drenagem.
É neste canal que as Prefeituras de Campos e de Quissamã tencionam implantar um complexo logístico industrial-portuário. Como no Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu, não sabemos com clareza onde o empreendimento vai parar. Sabemos que o Canal da Flecha deve ser alargado e aprofundado para abrigar o complexo. Sabemos, também, que um sistema para a passagem de areia transportada pelo mar de Quissamã para Campos deve ser construído. O PT tem feito a propaganda enganosa de que Dilma Roussef construirá uma grande ferrovia ligando Açu, Barra do Furado, Campos, Rio de Janeiro e Vitória.
O que ainda não sabemos ao certo é o número de unidades empresariais a se instalar no local. As prefeituras de Campos e de Quissamã cuidarão da criar a infraestrutura para o complexo, dragando o canal de sua barra à bateria de comportas que regula o nível da Lagoa Feia. Para tanto, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) exigiu das duas prefeituras estudos de impacto ambiental (EIA). Por mais que os executores das obras tomem cuidado, é de se esperar que elas e as decorrentes da montagem ulterior de empresas provoquem impactos socioambientais.
Quanto ao ambiente nativo, já bastante alterado pelo Canal da Flecha, é de se perguntar o que ocorrerá com o manguezal da Carapeba e de Barra do Furado, nas margens esquerda e direita do canal, respectivamente. Quais os impactos previstos para as lagoas existentes entre a Fazenda São Miguel e o limite leste do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que tem um projeto de expansão? Quais os impactos sobre o próprio Parque? E sobre o manguezal estropiado que sobrevive no chamado Rio do Espinho? Será que a língua salina penetrará em áreas dessalinizadas com o rebaixamento do canal?
Pelo prisma socioeconômico, que impactos o(s) empreendimento(s) acarretarão para os núcleos humanos de Barra do Furado e do Canal São Bento? Acaso o complexo industrial-portuário provocará conflitos com as atividades pesqueira e agropecuária, como está acontecendo no Açu?
Cabe lembrar que o manguezal é área de preservação permanente em toda a sua extensão, excluindo-se dele apenas a parte salgada e sem vegetação típica deste ecossistema, como pretende o projeto do novo Código Florestal. Estão em jogo, no caso em questão, três manguezais. Com relação ao Manguezal da Carapeba, é importante salientar que o Plano Diretor de Campos prevê, para a sua proteção, a criação de uma Unidade de Conservação. Cumpre observar, também, que todo empreendimento para cuja implantação há exigência de estudos de impacto ambiental por parte do órgão governamental de ambiente deve destinar recursos para a criação de uma Unidade de Conservação.
Lembremos ainda que, das doze Unidades de Conservação previstas pelo Plano Diretor de Campos, duas serão assumidas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro: o Banhado da Boa Vista e o Morro do Itaoca. Sete foram definidas pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo como prioritárias, entre elas, o Manguezal da Carapeba. Parece que o Ministério Público precisa entrar em ação.

 

 

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