Depois, com seus sistemas filosóficos, de certa forma herdeiros da tradição judaico-cristã. Descartes, Hegel, Kant, Marx se apropriaram da intolerância religiosa e da concepção teleológica, sequiosos de impor sua verdade às outras culturas do planeta, sob alegação de que falavam a verdade única e absoluta. Os judeus, angustiadamente, não deixam que esqueçamos o holocausto, na verdade, o genocídio perpetrado pelo nazismo nos campos de concentração. Mas não consideram genocídio o que foi praticado contra os nativos da América, contra os negros africanos e contra vários outros povos. Eles próprios massacram palestinos sem considerar tal ato como genocídio. O governo republicano turco da atualidade se nega a reconhecer que o império otomano massacrou armênios.
Tudo isto é ruído, é barulho. Mas devemos estender mais a validade do conceito. O ocidente vem inundando o mundo com ruídos. O barulho começa nas nossas casas, com o rádio, a televisão, a máquina de lavar roupa, o aparelho de ar condicionado, a falação das pessoas, o volume de voz. Nas fábricas, as máquinas são ruidosas e causam surdez progressiva.
Nas ruas, o ronco dos motores de automóveis, as buzinas, as motocicletas, as sirenes de ambulâncias, de carros de polícia e de bombeiros produzem poluição sonora. E os aparelhos de som instalados nos automóveis? São abomináveis, sobretudo quando circulam de madrugada.
As construções, com seus bate-estacas, com suas serras, com suas ferramentas contribuem sobremaneira para elevar o nível dos ruídos. Nos aeroportos e nos ares, o ruído corre solto. Nos mares, a grande circulação de navios perturba o ambiente e afugenta os animais. Na agropecuária, as dragas, os tratores, as ceifadeiras mudam as condições sonoras do campo.
Nas florestas que ainda restam, a motosserra, o trator, os tiros de armas de fogo não apenas matam como também enchem o ambiente de barulho. Não há mais lugar no mundo em que reine o silêncio. Não sem razão, o cacique Seattle reclamou das mulheres faladeiras ocidentais em sua carta ao presidente norte-americano John Peirce. O silêncio era cultuado nas culturas não-ocidentais. Gandhi escolheu um dia da semana para fazer voto de silêncio.
O ruído foi crescendo no ocidente a partir da revolução industrial. Os decibéis foram subindo e criando um mundo insuportável. As cidades do tipo ocidental representam o ponto alto da civilização do ruído. Elas estão espalhadas por todos os continentes, já que o modo de vida ocidental foi imposto a eles.
É fácil registrar a poluição luminosa em fotos e filmes. Analisando a imagem da terra durante a noite, verificamos o excesso de luz nos Estados Unidos, na Europa Ocidental, na costa do Brasil, na Índia, na China e no Japão. Imaginem o desperdício de energia para iluminar as cidades ocidentais e ocidentalizadas. Imaginem os danos que a luminosidade excessiva causa às pessoas e aos seres vivos. Não temos uma foto do planeta registrando os ruídos, mas podemos supor que as áreas mais iluminadas da Terra são também as mais barulhentas.
Até nas artes os ruídos entraram. O que chamamos de música de vanguarda se apropriou dos ruídos como um componente normal da civilização ocidental. Na música popular, os bailes funk são espetáculos de ruído. Aos poucos, vamos nos acostumando à esfera do ruído, assim como consideramos normal a atmosfera. Respirar ar puro faz bem à saúde tal como o silêncio. Quando vou ao Rio de Janeiro e a São Paulo, sinto ardência nos olhos e na garganta causada pela poluição do ar. Quando saiu de um grande ou médio centro urbano e entro no campo, os resquícios do ruído ficam zoando nos ouvidos por algum tempo.
O mundo tem sons naturais saudáveis, como o marulho das ondas, o rumor das águas dos rios, o farfalhar das folhas tangidas pelo vento, o canto das aves etc. Esses sons fazem bem ao nosso corpo e ao nosso espírito. Os ruídos que nós geramos causam surdez progressiva, irritação e estresse.
Com todas as campanhas em prol de um planeta mais saudável, parece que em breve estaremos envoltos numa capa de ruídos. Criaremos uma ruidosfera.