Há espécies marinhas e aquáticas que se deslocam por imensas distâncias para chegar a um manguezal e se reproduzir. O próprio manguezal depende da contribuição dos ambientes que se situam a sua vangurda e a sua retaguarda para existir. Mata Atlântica e Amazônia são indispensáveis aos manguezais que existem nos estuários de seus rios, assim como em todo o mundo intertropical. O mesmo é válido para o mar, a sua frente.
No caso do chamado "Mangue de Pedra", em Búzios, a colina a sua retaguarda lhe é fundamental. Esse manguezal é classificado pelos especialistas como de borda ou de franja, isto é, um manguezal que cresce na praia sem a contribuição de um rio para lhe fornecer água doce porque a salinidade e as correntes marinhas são baixas.
Chapman, um estudioso desse ecossistema, classificou o substrato de manguezais em quatro tipos: pantanoso, turfuso, arenoso e pedregoso. Explicou ele que somente os substratos pantanoso e turfuso (rico em turfa) sustentam bosques desenvolvidos. Em seu entendimento, os substratos arenoso e pedregoso são rasos, só podendo sustentar árvores de pequeno porte.
O manguezal de pedra, na Praia Rasa ou Gorda, em Búzios, contraria o especialista, assim como o manguezal da Ponta da Sapata, no mesmo município. Nos dois, o substrato é pedregoso e sustenta árvores de mangue branco e preto que alcançam até quatro metros de altura. É distinto também do típico manguezal de borda porque a colina que se situa atrás dele, uma paleofalésia, funciona como um grande reservatório que acumula a água doce das chuvas e as libera em sua base para o manguezal. Assim, no pé da colina, existe uma espécie de rio difuso que fornece água doce para se misturar à água salgada do mar e criar água salobra, ambiente ideal para o manguezal.
Pois este manguezal raro e extraordinário está ameaçado. Um projeto de condomínio de luxo - o Gran Riserva 95, aprovado pela prefeitura de Búzios, sob alegação de que atende à legislação municipal, e pelo INEA, por não atingir diretamente o manguezal - contará com 221 casas divididas em cinco blocos cuja aprovação depende apenas do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Búzios.
Pelo princípio jurídico da precaução, nenhuma lei existente garante o projeto imobiliário. Ele não está inserido diretamente na área do manguezal, e sim sobre a colina que fornece água doce ao ecossistema, e pode afetar o balanço hídrico que assegura a sua existência. Portanto, deve ser embargado até que estudos científicos sérios sejam efetuados.
Li a íntegra da entrevista do Secretário de Planejamento e Orçamento de Búzios, Ruy Borba, concedida ao Jornal Primeira Hora. Não conheço as leis maiores do Município, como a Lei Orgânica e o Plano Diretor. Muito menos acompanho a vida e os debates políticos de um lugar paradisíaco como Búzios. Moro em Campos. Sou historiador ambiental. Minha tese tratou das relações das sociedades humanas com os manguezais entre os Rios Itapemirim (ES) e São João (RJ). Depois, estendi meus estudos até a Região dos Lagos e as imediações de Vitória. O resultado sumário dos meus estudos pode ser encontrado no livro "Os Manguezais do Sul do Espírito Santo e do Norte do Estado do Rio, com apontamentos sobre o norte do sul e o sul do norte" (Campos: Essentia/IFF, 2010).
Meu interesse pelos manguezais de Búzios é apenas científico. Quando estudei pela primeira vez os manguezais de Búzios - e voltei ao município várias vezes para aprimorar os estudos -, eu desconhecia a complexidade do "Mangue de Pedra" e o tratei simplesmente como um manguezal de franja, assim como os manguezais da Ponta da Sapata e da Praia da Foca. Tendo acesso a estudos de geologia, percebi a importância da colina situada na sua retaguarda. Então, refiz meus estudos e escrevi um artigo que aguarda publicação.
Assim como revi meu conhecimento, entendo que, pelo princípio jurídico da precaução, a prefeitura de Búzios deve rever as licenças expedidas e a legislação que lhes dá base, até estudos mais detalhados sobre a hidrodinâmica do manguezal em pauta.