Não é fácil passar de um sistema complexo, como o da civilização industrial na sua forma capitalista globalizada e ecológica e socialmente insustentável, para outra forma que seja sustentável e justa. Mas é preciso começar a mudança, pois já passou a hora de iniciá-la. Podemos continuar na direção atual sob pena de colapso. Vislumbro exatamente dois caminhos: o colapso ou a emergência de uma ecocivilização.
A passagem para ela implica na substituição progressiva, mas não muito lenta, de fontes fósseis de energia (petróleo, gás natural, carvão mineral) para fontes renováveis, como o sol, o vento e a biomassa. A ecocivilização é a civilização alimentada pelo sol mais amplamente possível. Contudo, é preciso cuidado com as confusões. Vários governantes, empresários e a sociedade civil pensam que a solução está apenas em mudar o combustível sem tocar no sistema. Daí, a defesa do etanol produzido com cana, das grandes hidrelétricas e da energia nuclear, como faz mesmo James Lovelock, admirador da ecologia profunda.
No mesmo ritmo, impõe-se também a substituição de matérias primas não renováveis pelas renováveis na produção de bens. Mais uma vez o cuidado: não considerar que o uso de matérias primas renováveis é a solução. Cabe saber como extraí-las da natureza. Se elas forem sacadas em volume superior à capacidade de reposição do ambiente, produzir-se-á também o colapso. Aliás, a humanidade já está explorando os recursos renováveis 20% além da capacidade de reconstituição dos ecossistemas.
As mudanças verdadeiras não estão na troca de energia e de matéria, e sim nas prioridades. Mais do que alimentar veículos motorizados e produzir bens e serviços supérfluos e nocivos, o importante é concentrar-se no atendimento às necessidades essenciais do ser humano. Alimentação, saúde, educação, habitação, trabalho, vestuário e lazer são imprescindíveis. Os empregos gerados nestes setores são socialmente úteis por produzirem uma remuneração justa para o trabalhador e bens e serviços indispensáveis para a sociedade. Se estas sete necessidades forem atendidas com cuidados ecológicos, o trabalho gerado nelas será ecológica e socialmente útil.
A afirmação de que é impossível atender às necessidades básicas do ser humano por sistemas ecologicamente corretos decorre de uma visão de mercado. A economia capitalista não quer resolver nenhum problema, a menos que a solução gere lucros. Por esta ótica, uma economia ecológica não interessa. Diminuir a produção de bens e serviços supérfluos e cessar a produção de bens e serviços nocivos não interessam ao capitalismo. Daí que a ecocivilização há de ser socialista de alguma forma.
Mesmo que a civilização atual caminhe para o colapso, não creio que a espécie Homo sapiens, responsável pela presente crise ambiental planetária, se extinga. Ela destruirá ecossistemas, levará muitas espécies à extinção, provocará a morte de muitos dos seus representantes e ingressará numa era de angústia social. No fundo do poço, é de se esperar que encontre como saída a construção de um modo de vida em consonância com a Terra, que já sobreviveu a crises piores.
É preciso, pois, ir além da troca de recursos. É preciso chegar aos planos econômico, político e cultural. Isto significa mudança nos padrões de produção. As pequenas unidades produtivas em todos os setores da economia, movidas a trabalho sócio-ambientalmente útil, de preferência independente, deve voltar-se, prioritariamente, ao atendimento das necessidades essenciais. Pode-se pensar que tal transformação represente um retrocesso tecnológico. Bem ao contrário, a ecocivilização só poderá se erguer apoiada numa tecnologia refinada e sutil, que seja eficiente e econômica no uso de energia e na transformação de matérias primas. Em primeiro lugar, ela deve reduzir ao máximo o desperdício. Depois, reutilizar ao máximo os rejeitos. Por fim, reciclar o que não pode ser reutilizado.
Para tanto, requer-se o aumento da vida útil dos bens, valorizando-se mais o uso do que a troca. Este é um ponto nevrálgico da economia de mercado, sempre interessada mais na troca que no uso. Daí a obsolescência planejada de uso e de troca. O padrão econômico da ecocivilização é múltiplo, integrado e ótimo. O caráter múltiplo resulta de usos variados de um ecossistema, sem esquecer de que a integração de tais usos reduz a fricção entre eles. Deve ser ótimo, e não máximo. O ótimo não passa dos limites de auto-recomposição, ao passo que o máximo tende ao esgotamento.
Coroando este projeto, está o zoneamento ecológico-econômico do planeta, que perpassa todo o processo de transformação. Trata-se de utopia? Provavelmente, sim. Um projeto talvez tão utópico quanto os de Adam Smith, François Quesnay e Karl Marx. Mas vital para o ser humano e os ecossistemas, dos quais ele depende.