Entre Macaé e Rio das Ostras

Durante dois anos, percorri a pé a linha costeira que se estende da foz do Rio Itapemirim, no Espírito Santo, à foz do Rio São João, no Estado do Rio de Janeiro. Calma, leitor. Não estou pregando mentira. Não fiz tão longa caminhada no tempo e no espaço de uma só vez. Percorri por etapas. Objetivo: procurar manguezais, dos maiores aos menores, para escrever minha tese de doutorado.
Comecei em Marataíses, no manguezal do Rio Itapemirim, e fui até o manguezal do Córrego de Morobá. Saltei a Restinga das Neves ou de Morobá pela certeza de não haver nela nenhum manguezal. Retomei o roteiro no manguezal do Rio Itabapoana, caminhando até o manguezal do Rio Paraíba do Sul. Saltei as praias de Atafona e Gruçaí para recomeçar o roteiro na Lagoa de Gruçaí até a Lagoa do Açu. Naveguei essas duas lagoas, incluindo a de Iquipari.
Recomecei em Barra do Furado, sabendo que, entre a Lagoa do Açu e o Canal da Flecha não existia sequer uma amostra do que eu procurava. Da mesma forma, saltei o trecho costeiro entre o Canal de Ubatuba ou Jagoroaba porque, anteriormente, eu havia feito, também a pé, o roteiro dos Sete Capitães, saindo de Macaé em direção ao Cabo de São Tomé. Neste estirão de costa, também não encontrei manguezal, embora haja registro deste ecossistema na Lagoa de Carapebus.
O penúltimo trecho percorrido foi do Rio Macaé ao Rio das Ostras. Nele, fiquei encantado com a paisagem, em grande parte deserta. Tudo indica que, na Lagoa de Imboacica existisse um manguezal. Quando a conheci pela primeira vez, em 1959, com 13 anos de idade, eu ainda não tinha interesse por manguezais, mas minha memória registrou um ecossistema parecido ao que conheci, mais jovem ainda, na Ilha do Mel, Baía de Paranaguá, e que muito me impressionou.
Na minha caminhada, parei em Mar do Norte para descansar e fazer um lanche. Ali, perguntei a moradores antigos sobre a existência de manguezal nas redondezas. Responderam-me em coro que só em Macaé e Rio das Ostras eu iria encontrá-lo. Disse-lhes que continuaria minha caminhada e eles me alertaram quanto aos perigos para um viandante solitário: uma longa praia deserta, um costão rochoso intransponível e uma fazenda – a de Itapebussus – defendida por homens armados.
Tive medo, mas continuei minha marcha. Logo ao sair de Mar do Norte, encontrei um córrego com uma única árvore de espécie exclusiva de manguezal e indivíduos de caranguejo uçá, também típico de manguezal. Os moradores ignoravam o córrego. De fato, atravessei uma praia deserta belíssima. Sozinho, apenas com um gravador e uma máquina fotográfica, meu medo aumentou. Sem aparelho de medir distância, calculo que andei cerca de 10 quilômetros entre um paredão de argila, coberta por vegetação impenetrável, e o mar. Se algum mal súbito me acometesse, eu não teria para onde correr. Nem sequer um celular eu levava comigo.
Atravessando essa praia, exclamei: quanta beleza existe para ser destruída! No retorno, uma pessoa amiga observou meu pessimismo. Ela disse que, ao ver um copo com água até a metade, penso que ele será esvaziado, nunca que ele será cheio. Ao longo dessa praia, encontrei registro de quatro pequenas desembocaduras, mas nenhum sinal de manguezal, pois eles devem conter água apenas durante chuvas torrenciais.
Ao chegar ao intransponível costão rochoso, consegui galgá-lo e, no céu cimo, um pequeno bosque de mangue branco me saudou. Fascinado, perguntei em voz alta: o que vocês estão fazendo aqui? Passei pela fazenda Itapebussus sem encontrar viva alma e cheguei à foz do Rio das Ostras.
Guardo belíssimas imagens desse estirão de costa. Ele não tinha um morador sequer entre Mar do Norte e Itapebussus. Advirto que esta viagem por etapas durante dois anos foi feita no fim da década de 1990.
Agora, leio triste o artigo “O setor portuário”, do bravo jornalista Roberto Barbosa que, entrincheirado na sua aldeia, informa que o empresário Eike Batista comprou a fazenda de Itapebussus, para, possivelmente, construir um novo porto. Se é tudo o que o setor offshore precisa, é tudo o que a proteção da natureza selvagem dispensa. Pelo menos a praia entre falésias, revestidas com densa vegetação nativa, e o mar deve ser preservada por uma unidade de conservação de proteção integral. Ilustro a praia com uma foto.

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