O diretor Wes Craven, com base em roteiro de Kevin Williansom, trabalha muito bem o diálogo entre realidade e ficção. Ao entrar em cartaz, "Pânico" ("Scream", EUA, 1996) promove outro massacre nos moldes daquele que deu origem ao filme e ao livro. Ghostface só não conseguiu superar Freddy Grueger, do mesmo diretor, que nascia dos sonhos das pessoas e as matava com suas garras de aço. Freddy deu origem a uma franquia que chegou ao sétimo filme sem inovar muito em relação ao primeiro. Coube ao próprio Cravem concluir a sequência com o mesmo artifício de "Screan": os seis episódios de "Sexta-feira 13" não passaram de filmes, mas, no sétimo, Freddy sai da tela para se transformar uma figura real. Wes Craven se tornou um mestre do filme B.
No caso de "Pânico", o trio de artistas atravessará os quatro filmes da franquia, todos eles dirigidos por Craven: Sidney, a eterna vítima; Riley, o eterno investigador; e Gale, a jornalista sem ética que muda seu caráter ao longo dos anos. Os quatro episódios de "Scream" (EUA, 1996, 1997, 2000 e 2011) são filmes que se referem a filmes. Em cada um, o assassino procede como no filme. A polícia busca uma lógica para as mortes a fim de preveni-las, mas a lógica muda a cada filme.
No segundo, entra em cena a bela figura de Sarah Michelle Gellar, que estrelará outros filmes dos gêneros terror e suspense. No terceiro, aparecerá Emily Mortimer, que vai se firmar como uma excelente atriz posteriormente. Mas quem é o psicopata que se identifica com o matador das telas? A cada filme, é uma pessoa diferente. O objetivo de cada assassino é chegar a Sidney, a mocinha impoluta. É sempre diante dela que ele ou ela arranca a máscara e mostra seu verdadeiro rosto, convencido de que irá matá-la e de que não será descoberto. Mas Sidney, como numa tragédia grega, está fadada a sobreviver.
De nada vale a proteção que a polícia e o detetive Riley lhe oferecem. O assassino sempre chega a ela e acaba derrotado. Ghostface se tornou mania nacional nos Estados Unidos e é explorado como uma atração turística. Sidney é o símbolo da resistência. No terceiro episódio, ela se refugia numa casa de campo cercada de toda a proteção, mas o assassino da vez chega até lá.
Os três primeiros filmes seguem mais ou menos os padrões clássicos dos gêneros suspense e terror: as vítimas são quase sempre jovens universitários palermas. Debochados, descrentes, sexólatras e usuários de drogas, eles acabam como que sendo punidos por seus hábitos "devassos". Por este prisma, os filmes desse período são bastante moralistas. Do castigo, escapam sempre os jovens íntegros e bem comportados. Sidney encarna os valores da boa mocinha e se transforma num ícone. É sempre ela o objetivo último dos Ghostface e é para ela que eles revelam a sua identidade antes de morrer. O verdadeiro padrão é este, e não os que a polícia procura nos filmes que inspiram os assassinos.
Depois de onze anos em paz, Sidney Prescott retorna a Woodsboro, sua cidade natal. Ela também escreveu um livro sobre sua vida e pretende lançá-lo no lugar onde nasceu. O detetive Riley casou-se com a jornalista Gale e é agora xerife da cidade. Em meio às festas em homenagem a Ghostface, agora um símbolo do lugar, ei-lo em nova aparição para alcançar Sidney, matando, para tanto, quem se coloca em seu caminho.
Mas, no quarto episódio, Craven promove uma discussão bastante interessante sobre ficção e realidade, sobre as criações propiciadas pelo massacre de Woodsboro, gerador dos filmes e dos seus imitadores, sobre Modernidade e Pós-modernidade, sobre construção e desconstrução do real. Trata-se de um filme de suspense, e não de terror, que, aos olhos do crítico que escreve o presente texto, não deve ter continuidade, pelo menos pelas mãos do genial Wes Craven.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 08 de maio de 2011