Após o relatório de 2007, os governos dos países centrais e emergentes vêm sofrendo pressões de setores mais avançados da sociedade, de cientistas e da ONU. O mundo dos pesquisadores se dividiu no grupo majoritário dos que acreditam em mudanças do clima por ação humana coletiva e no grupo minoritário dos céticos, que atribuem as mudanças a fenômenos naturais, como uma atividade maior e temporária do Sol.
O IPCC já passou por duas crises. A primeira foi motivada pelo roubo de mensagens eletrônicas na Universidade de East Anglia, principal colaboradora do Painel, no que se chamou de "Climagate". A segunda ocorreu quando as avaliações sobre o degelo do Himalaia foram corrigidas por um grupo de cientistas. Nenhum dos dois golpes, porém, abalou as conclusões do quarto relatório. Um número cada vez maior de pesquisadores apoia as afirmações do IPCC.
É bom, novamente, fazer a distinção entre religião e ciência. As religiões, por mais flexíveis que sejam, têm dogmas incontestáveis. Na ciência, não há dogmas. As conclusões são sempre provisórias. Se não fosse assim, continuaríamos aceitando as concepções de Copérnico e de Newton sobre o Universo. A ciência trabalha com o provisório e o contestável, sem desmerecer as conquistas obtidas no passado. Einstein pode perfeitamente homenagear Newton e, ao mesmo tempo, ultrapassá-lo. Não é por acúmulo que a ciência avança, mas por cortes.
As evidências sobre o aquecimento global e sobre as mudanças que ele acarreta no clima da Terra são tantas e tão eloqüentes que se torna extremamente difícil não acreditar nelas. Os céticos acusam os cientistas defensores do aquecimento global de receberem recursos financeiros públicos para alimentar sua posição. Os céticos são acusados de ganharem dinheiro dos grandes grupos empresariais, sobretudo de petrolíferas, para desacreditarem as conclusões do IPCC.
Considero muito difícil a corrupção de tantos cientistas ao mesmo tempo, mas noto que os céticos contam com a simpatia dos setores mais conservadores da sociedade e do mundo empresarial. É natural que existam conclusões erradas nos relatórios do IPCC porque se está lidando com cientistas. As correções são sempre inevitáveis e bem vindas. Por mais que as previsões de derretimento das geleiras do Himalaia estejam incorretas, uma evidência é certa: elas estão derretendo. As pesquisas efetuadas por cientistas não integrantes do IPCC confirmam com veemência conclusões gerais do IPCC.
Mas o problema maior são os governantes dos países ricos, que não querem abrir mão de sua posição privilegiada, e dos países emergentes, que desejam alcançar a condição de ricos. As conferências mundiais sobre mudanças climáticas costumam começar com a apresentação de um panorama atualizado das condições climáticas atuais pela ONU. Em seguida, as delegações dos países participantes discutem sobre as propostas. Por último, o documento final sempre fica muito aquém das medidas a serem tomadas. Assim, o problema vai rolando de COP a COP. Enquanto isto, os desmatamentos, as queimadas, a agropecuária extensiva, as indústrias, os transportes e a poluição dos oceanos agravam a destruição de ecossistemas vitais que absorvem gás carbônico. Aumentam as emissões do efeito estufa. As temperaturas do ar e dos mares continuam subindo e provocam o derretimento das geleiras polares e continentais, a elevação do nível dos oceanos, as mudanças na linha de costa, a fúria crescente das tempestades de vento e de chuvas. Cresce a imprevisibilidade do clima, com fenômenos extremos, como chuvas torrenciais e estiagens prolongadas. O aquecimento dos oceanos e a acidificação das suas águas contribuem para a mudança das correntes marinhas, para a morte de recifes de corais e para alterações nos hábitos de peixes. A destruição de ecossistemas pelas mudanças climáticas ameaça a biodiversidade, colocando espécies em risco de extinção. Na economia, as oscilações climáticas intensas causam danos à agropecuária. No plano social, aumentam as doenças transmissíveis, enquanto as ondas de calor e de frio matam crianças e idosos. As cidades situadas na zona costeira e as ilhas marinhas correm o risco de inundação e de submersão. Tudo porque vivemos numa economia de mercado que prefere perder as mãos a ceder anéis e pulseiras.