Pela margem esquerda do rio Paraíba do Sul, entre Itereré e a foz, existem dois tipos de terreno. O primeiro é antigo e ondulado, com elevações baixas e depressões entre elas. Nestas depressões, formaram-se lagoas grandes e pequenas. De constituição argilosa, este terreno é popularmente conhecido por tabuleiro. O segundo é novo e plano, com formação arenosa. Trata-se da parte norte da restinga de Paraíba do Sul, a maior do Estado do Rio de Janeiro. Nela também se formaram lagoas.
No tabuleiro, havia lagoas arredondadas e compridas. Este segundo tipo resultou de pequenos cursos d’água barrados pela restinga. A cidade de Campos, incluindo Guarus, foi avançando sobre elas e as soterrou. As poucas que restaram estão ameaçadas de desaparecer por aterro e drenagem executados por particulares e pelo próprio poder público municipal.
Ainda há um complexo de lagoas à direita da ponte da Lapa, no sentido Campos-Guarus. A mais próxima do Paraíba é a lagoa Maria do Pilar (hoje conhecida como brejo dos Prazeres), quase colada à Lagoa do Taquaruçu. Mais à direita ainda, as lagoas da Olaria, do Fogo e Brejo Grande. No século 19, elas foram ligadas por um canal de navegação que começava no rio Paraíba do Sul e pretendia chegar à lagoa do Campelo, a maior lagoa de restinga da região, mas chegou só à lagoa de Brejo Grande. A finalidade deste canal era escoar a produção do sertão do Nogueira, nas adjacências da lagoa do Campelo. Daí o nome de canal do Nogueira, que foi substituído por rodovias.
No século 20, o trecho do canal que sai da lagoa do Taquaruçu e se estende à lagoa de Brejo Grande foi aproveitado pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) e transformado no canal do Vigário, com a finalidade de conduzir água do Paraíba à lagoa do Campelo e, dela, pelo canal Engenheiro Antonio Resende, à foz do rio Guaxindiba. O DNOS também fechou o canal natural que ligava o Paraíba à lagoa do Vigário, abrindo outro, ligando esta lagoa ao trecho abandonado do canal do Nogueira.
Esta memória se perdeu. Ninguém manifesta interesse em conhecer esta história. Sociedade, poder público e academia partem do que existe. Não querem saber como uma realidade ambiental veio a se constituir. Hoje, em Guarus, no interior da malha urbana, há dois conjuntos de lagoas ameaçados pelo crescimento ordenado e desordenado, com o aval ou a omissão dos órgãos governamentais de ambiente. O primeiro é o conjunto de que estamos tratando, formado pelas lagoas Maria do Pilar (Prazeres) Taquaruçu, Olaria e Fogo. O segundo situa-se à esquerda da BR-101, no sentido Campos-Vitória e é constituído pelas lagoas das Pedras, do Cantagalo e Jacu. Os dois conjuntos foram incluídos no novo Plano Diretor de Campos (Lei nº 7.972/2007) como zonas de interesse ecológico, destinados à criação de duas Unidades de Conservação.
Tendo em vista as ameaças que os dois conjuntos de lagoas sofrem, o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo deu prioridade a eles na implantação de duas Unidades de Conservação e aprovou os dois em reunião. Mas a prefeitura de Campos simplesmente rasgou (e continua rasgando) o Plano Diretor e as decisões do Conselho, que tem caráter consultivo e deliberativo. Tanto assim que está aterrando a lagoa de Maria do Pilar (Prazeres), no Parque Barão do Rio Branco, atrás do Hospital Geral de Guarus.
Os argumentos mais invocados para o crime ambiental são a necessidade de construir casas populares e o de que a lagoa não passa de um brejo. Quanto ao primeiro, o mesmo Plano Diretor selecionou áreas nos entornos das lagoas Maria do Pilar e Taquaruçu, em terrenos mais elevados e não sujeitos a alagamentos. Num deles, foi construído o conjunto habitacional do Parque Barão do Rio Branco de forma ecologicamente correta, com uma avenida de contorno limitando a orla e a área de expansão urbana. Tanto assim que casas clandestinas construídas além da avenida foram demolidas pela Secretaria de Defesa Civil. Agora é a própria prefeitura que perpetra a invasão.
Quanto a ser um brejo, deve-se explicar que veio a ser um brejo por ação humana. Além disso, ainda recebe esgoto da lagoa do Vigário e das casas que ficam em sua orla. Apesar de tudo, este brejo abriga variada diversidade biológica e funciona como área de absorção de águas. A UENF, inclusive, realizou um estudo mostrando a sua importância com o filtro da poluição que entra nele. Mais uma vez, é preciso voltar à luta?