A origem do modo de produção capitalista segundo a ecologia (II)

Clima é o conjunto durável de certas condições, como temperatura, umidade, radiação solar. Tempo são as oscilações breves dessas condições, como chuva, sol, nuvens. A Terra passou por longos períodos climáticos frios e quentes. A última grande glaciação terminou há cerca de 11 mil anos. Em seguida, veio um período de aquecimento global natural, no qual ainda vivemos, dando nossa contribuição para aquecê-lo mais ainda.

No entanto, dentro da atual época quente, que denominamos de Holoceno, ocorreram oscilações de longo prazo. Entre 800 e 1300, houve um período mais quente, conhecido como aquecimento medieval. Entre 1300 e 1850, o clima esfriou, constituindo uma pequena idade do gelo. A partir de meados do século 19, entramos em novo período de aquecimento global, só que agora originado por ações humanas.

Reunindo os mais recentes conhecimentos científicos, o antropólogo Brian Fagan escreveu, em 2008, o livro The Great Warming: Climate Change and the Rise and Fall of Civilizations, lançado no Brasil com o título de O Aquecimento Global: a Influência do Clima no Apogeu e Declínio das Civilizações (São Paulo: Larousse do Brasil, 2009), examinando os efeitos do aquecimento de 800 a 1300 sobre a Europa Ocidental, a Escandinávia, a América ártica, a Califórnia, a Civilização Maia, as costas do Peru, o Oceano Pacífico, o Sudeste Asiático, as estepes da Ásia Central, a Índia e a África. Nada sobre o Brasil por falta de pesquisas científicas.

Trata-se de uma leitura fascinante que traz elementos indispensáveis para esclarecer e enriquecer o conhecimento histórico. Fagan atualiza o que o historiador francês Emmanuel Le Roy Ladurie examinou em L’Historie du Climat depuis l’an Mil, livro indispensável para o ecohistoriador e até hoje não traduzido para o português. A ecohistória vem demonstrando que é impossível ignorar a natureza não humana quando se pretende compreender as mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais.

Ao analisar os efeitos do aquecimento de 500 anos sobre a Europa, Fagan mostra que a elevação das temperaturas criou condições bastante especiais para a constituição de uma economia de mercado e da instalação do modo de produção capitalista, embora não seja este seu objetivo. Tal aquecimento conteve a pressão dos escandinavos sobre a Europa Ocidental, pois a Islândia, a Groenlândia e o círculo polar ártico tornaram-se atraentes para eles e também atenuou o rigor do modo de vida dos esquimós. Por outro lado, os eslavos também abdicaram do seu interesse sobre a Europa Ocidental diante da invasão da Europa Oriental pelos mongóis. Enquanto o aquecimento foi benéfico em áreas frias, sobre áreas ressecadas, ele criou dificuldades. Assim, em grande parte, as mudanças climáticas explicam a expansão mongólica, sobretudo sob o comando de Gengis Khan.

Com clima mais ameno e sem a ameaça de invasão por povos “bárbaros”, a população européia cresceu, aumentando a demanda por alimentos. Verifica-se, então, a expansão do modo de produção feudal, com a conquista de terras sobre florestas, pântanos e terras áridas. Técnicas e tecnologias foram aprimoradas ou inventadas. Mesmo com esta expansão, a Europa Ocidental ainda era pequena. Muitas pessoas não conseguiram se inserir como camponeses e artesãos.

Então, aumentou o número de pessoas desempregadas e pobres no campo e nas cidades, que ressurgiram neste período de 500 anos. Outras tornaram-se saqueadores de estradas e de cidades. Um grupo menor criou uma atividade parasitando o sistema feudal: os comerciantes. Por bastante tempo, suas mercadorias provinham dos excedentes do modo de produção feudal. Assim, os mercadores dinamizaram o comércio, as cidades e forçaram o aumento de produção excedente do feudalismo. Quando este se tornou insuficiente, a burguesia comercial valeu-se da religiosidade cristã para estimular as Cruzadas. O objetivo era dominar o Oriente Médio e o promissor comércio praticado pelos muçulmanos.

Chegando a seus limites territoriais, destruindo ecossistemas nativos e forçando os solos para aumentar a produção, o modo de produção feudal criou condições para uma grande crise. Ela eclodiu no início do século 14, período correspondente ao fim do aquecimento global natural e ao começo da pequena idade do gelo. O primeiro sintoma foram as fomes crônicas e agudas do século 14, que mataram muitas pessoas e combaliram a resistência de outras. Em meados do século, as condições para doenças contagiosas eram bastante favoráveis na Europa Ocidental. Foi então que a peste bubônica, vinda do oriente, assolou a população e fez milhares de vítimas. Foi a chamada Peste Negra. Dizimado, o sistema feudal não conseguia mais suprir a burguesia comercial com excedentes que pudessem ser transformados em mercadorias. Ou os comerciantes faliam ou partiam para construir um novo modo de produção cujo objetivo era o lucro. Começa a nascer, assim, o modo de produção capitalista, que não se explica apenas por mudanças climáticas, mas cuja compreensão pela história não pode mais prescindir delas.

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