As terras que compõem a Fazenda Santa Rita do Pau Funcho situam-se entre a Lagoa de Cima e o Morro de Itaoca. Geologicamente, a propriedade rural engloba terrenos muito antigos, com mais de seiscentos milhões de anos (formações geológicas pré-cambrianas), terrenos de tabuleiro, com cerca de 60 milhões de anos, e terrenos holocênicos, com idades recentes a partir de 5 mil anos.
Em seu interior, existe ainda o leito de uma das lagoas geminadas do Pau Funcho. Ambas, a rigor, podem ser consideradas áreas ripárias, ou seja, áreas marginais ao rio Ururaí sujeitas à inundação na época das cheias. Ainda hoje, quando chove bastante, as duas lagoas tentam recuperar seus antigos leitos, como aconteceu no verão de 2002/2003 e de 2007.
A vegetação nativa é constituída de mata ombrófila densa, que vem a ser um tipo de mata atlântica verde o ano inteiro pelo excesso de umidade.
A área total da fazenda gira entre 995.6 e 1.221,0 hectares. A atividade principal praticada nela foi a cana-de-açúcar. Para tanto, ela contou com a contribuição gratuita da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, núcleo original do Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS, que, na década de 30, abriu dois canais de drenagem e praticamente eliminou as duas lagoas do Pau Funcho. O uso do solo pelos proprietários foi insustentável do ponto de vista ecológico. Assim, a sua fertilidade foi decrescendo e a produtividade de cana foi decaindo.
Arrolada entre os imóveis rurais improdutivos da região pelo Incra, a fazenda de Santa Rita do Pau Funcho foi ocupada pelo MST. O Sindicato Rural de Campos provocou o Ibama local, que expediu parecer bastante correto sobre as áreas de preservação permanente no interior da fazenda que deveriam ser respeitadas no zoneamento e no parcelamento do solo. Seus proprietários também contrataram um parecer técnico bastante detalhado a um engenheiro florestal. Um técnico do Ibama do Rio, no entanto, num terceiro parecer, apresentou números completamente divergentes dos dois anteriores. Há ainda um parecer do Incra também francamente favorável a um uso insustentável do solo.
Como a desapropriação para fins de reforma agrária foi questionada na Justiça, o Juiz teve, em suas mãos, uma massa de informações disparatadas que mais confundem do que esclarecem.
Se os antigos proprietários surrupiaram a fertilidade do solo em busca de ganhos fáceis e acabaram por esgotá-lo, entende-se que o Incra, o MST e o governo do Estado do Rio, que se meteu onde não foi chamado, não podem reproduzir os antigos padrões de uso. Neste sentido, antes de efetivar o assentamento das famílias, deveria haver o zoneamento ecológico-econômico do solo distinguindo Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Florestal Legal.
As Áreas de Preservação Permanente deveriam passar por um processo de restauração de sua vegetação nativa, trabalho que, promovido pelo Incra com a colaboração do Ibama, do Instituto Estadual de Florestas e de instituições de pesquisa, como a UENF, pode gerar emprego na coleta de sementes, no preparo de mudas, nos tratos de tais mudas em viveiros e depois nos terrenos a serem revegetados.
O mesmo se aplica à constituição da Reserva Florestal Legal, correspondente a 20% do total da área desapropriada, não incluídas as Áreas de Preservação Permanente.
No conjunto, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal contribuiriam indiretamente para as atividades agropecuárias a serem desenvolvidas no assentamento, provendo-o de umidade e contribuindo para melhorar a fertilidade do solo.
A lagoa do Pau Funcho dentro da área deveria ter seu espelho d'água demarcado na cheia máxima, contando, a partir dele, cem metros nas margens, o que constituiria a faixa marginal de proteção básica, que deveria ser ocupada com a vegetação nativa suprimida.
Além da agropecuária, o MST poderia pensar em explorar o ecoturismo e outras atividades, como a apicultura. A piscicultura é bastante perigosa quando praticada com espécies exóticas, pois a fuga delas para a lagoa e para o rio Ururaí causaria desequilíbrios ambientais ainda maiores do que aqueles já existentes.
O MST tem um compromisso com a proteção ambiental, expresso no seu primeiro mandamento. O Judiciário deveria considerar estas sugestões, todas elas com amparo legal, em sua decisão. Um ecologista autêntico defende a reforma agrária, mas não práticas devastadoras do meio ambiente, como vêm acontecendo em outros assentamentos do MST na região e pelo Brasil afora. No final, como acabou a história da Lagoa do Pau Funcho? Ela foi aterrada com o consentimento dos próprios assentados. Cabe agora salvar a outra, incluindo-a no Parque do Morro do Itaoca, que fica melhor sob responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro, seja como unidade isolada, seja incorporada ao Parque Estadual do Desengano.
- Arthur Soffiati
- Arthur Soffiati