Em resumo...

Desde o dia 10 de novembro deste ano que já finda, venho tratando, semanalmente, de questões analisadas por autores que se movimentam no novo paradigma organicista. Encerro hoje minhas reflexões ensaiando um resumo dos temas levantados.
1- Nova concepção de sujeito. Até hoje, o paradigma mecanicista continua dando as cartas quanto à interpretação do mundo e às filosofias do sujeito. Embora os enunciados, em grande medida, tenham se calado, suas concepções impregnaram nossas mentes. Ainda ecoa o “penso, logo existo”, de Descartes, ou o “simbolizo, logo existo”, de Cassirer. A biologia complexa, notadamente a etologia, está propondo há tempo o “computo, logo existo”. Computar consiste em recolher as informações do meio e processá-las em proveito do indivíduo vivo e da espécie. Trata-se de uma forma de conhecimento que não se restringe aos organismos que contam com sistema nervoso central e/ou periférico. Ele se estende também às bactérias, aos protozoários, aos fungos e aos vegetais. Neste sentido, a natureza não-humana, ainda vista como objeto de conhecimento pelas ciências humanas, passa a ser também sujeito, ao passo que o ser humano individual ou coletivo transforma-se também em objeto do seu próprio conhecimento.
2- Natureza não viva. E a natureza não viva, continua sendo apenas objeto de estudo? Quem examina a história do Universo, da Via Láctea, do sistema planetário solar e da Terra sabe muito bem que os fenômenos físico-químicos são os principais agentes responsáveis por transformações. Restringindo-nos à Terra, sabemos que o choque de corpos celestes com o planeta, as mudanças de inclinação do eixo terrestre, o vulcanismo, o tectonismo, as mudanças climáticas, as oscilações dos oceanos etc. têm provocado mais transformações na Terra do que a vida e a humanidade. A agricultura, a pecuária, as cidades, as navegações, as revoluções econômicas só puderam acontecer graças a uma estrutura climática com cerca de 10 mil anos de idade que batizamos de Holoceno. Assim, mesmo sem ser provocada, a natureza físico-química tem se comportado como sujeito de transformação, o que a tradição humanista procura desconhecer ou negligenciar.
3- Natureza não-viva como agente revolucionário. A globalização construída pelo mundo ocidental gerou um sistema mundial extremamente complexo. O principal responsável por tal situação é o capitalismo. O desejo de lucrar tornou-se muito poderoso e parece não encontrar limites éticos. De certa forma, o socialismo é fator integrante da globalização. As explicações clássicas parecem não encontrar mais saída para as sucessivas crises do capitalismo. Se acompanharmos o projeto neoliberal, ele está vencendo, mas não em sua forma utópica, que tanto fascinou Michel Foucault no final de sua vida. O neoliberalismo está dando as cartas, mas com o apoio dos estados nacionais, que, teoricamente, ele repudia. Graças a ele, as crises econômicas, social e ambiental se ampliam cada vez mais. A proposta marxista clássica, segundo a qual a classe trabalhadora, na sua práxis, passa de objeto a sujeito de sua história, promovendo uma revolução redentora, fracassou e não tem mais lugar. A versão do marxismo, segundo Gramsci, parece o mito de Tântalo: quanto mais o socialismo, paciente e pacificamente, se aproxima dos aparelhos de Estado para dominá-los por dentro, mais o sonho se afasta, pois os representantes do capitalismo não são tolos. Esperar que os miseráveis do mundo se organizem e, com ajuda de pequenos empresários e de intelectuais comprometidos coma causa revolucionária, promovam a revolução, como concebe Eslavoj Zizek, é sonhar com o impossível. O próprio Zizek lembra que o ímpeto revolucionário dos miseráveis se aquieta com a ida deles para o crime ou para igrejas. Sendo assim, parece que a última esperança reside nas forças da natureza, agora chicoteadas por uma economia-mundo. As estruturas ambientais naturalmente construídas e que permitiram à ciência humana criar o conceito de Holoceno estão sendo bombardeadas pela própria humanidade impregnada pelo capitalismo. O bombardeio está causando mudanças climáticas, acidificação dos oceanos, alterações quantitativas e qualitativas na água doce, aceleração dos ciclos de nitrogênio e fósforo, empobrecimento da biodiversidade, avanço da agropecuária e da urbanização sobre os solos, concentração de poeira na atmosfera etc. Adotando a ideologia do poderoso, daquele que define as estratégias, os dominados criam táticas de sobrevivência que agravam mais ainda a crise ambiental. Aprendiz de feiticeiro, a humanidade está sujeita, agora, a um novo agente revolucionário sem consciência: a natureza não-humana.

Parece que caberá a ela restabelecer o equilíbrio perdido, causando profundos estragos e sofrimento à humanidade. Acontece que a Terra nos ignora completamente. Somos um corpo estranho que deve ser colocado em seu devido lugar.

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