Estratégia e tática

Em linguagem militar, estratégia é o objetivo a ser alcançado, enquanto tática são os meios usados para atingir o objetivo. Curioso que o pensamento de esquerda tenha se apropriado dos termos. Mas faz sentido. De Marx e Gramsci, passando pelos anarquistas e pelos socialdemocratas, trava-se uma guerra contra o conservadorismo e o liberalismo, como os entende Immanuel Wallerstein, para alcançar o poder e construir uma nova sociedade, seja de forma pacífica ou violenta.
O grande pensador francês Michel de Certeau usa as duas palavras para designar noções diferentes. Para ele, estratégia é o domínio construído pelo forte, pelo poderoso. Já as táticas referem-se aos movimentos desenvolvidos pelos fracos e dominados para sobreviverem no território do poderoso. Embora Certeau, no seu livro “A invenção do cotidiano”, restrinja-se a estudar as táticas de sobrevivência do ser humano em estratégias as mais diversas, ele estende os movimentos táticos a todos os seres vivos.
Para fins explicativos, a tese de Certeau é um verdadeiro achado. Antes de qualquer proposta de transformação da estratégia e, por conseguinte, das táticas, é fundamental conhecer o domínio criado pelos fortes e os itinerários construídos pelos fracos em seu interior. Com base no autor francês, acabo recorrendo a uma conclusão de Marx: a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Pode parecer contraditório, mas as táticas de sobrevivência dos dominados não apenas respeitam as concepções dos dominadores como as incorporam e as desenvolvem.
Entre 1989 e 1991, assistimos à ruína do grande projeto soviético, envolvendo não só a própria União Soviética, como também toda a Europa Oriental, a Iugoslávia e a Alemanha Oriental. O sonho de extinguir a propriedade privada dos meios de produção esfumou-se na rude realidade de transformar riqueza em capital com o fim de auferir lucro. Desse desmoronamento, restaram apenas China, Coréia do Norte e Cuba, que não podemos mais considerar experiências socialistas com vistas ao comunismo.
Não estou externando tristeza por este fracasso. A crítica ecologista dirige-se ao capitalismo e ao socialismo real, ao liberalismo e a todas as formas de socialismo. Estes sistemas de pensamento excluíram a natureza não humana de suas preocupações, cuidando apenas da felicidade e dos assuntos humanos. Foram mais longe ainda: além de ignorar a natureza, também a agrediram e contribuíram para construir a crise ambiental planetária da atualidade.
Quando examino as táticas de sobrevivência dos fracos e dominados, noto que elas reproduzem em tamanho menor as práticas do dominante. Nos ínfimos detalhes, o dominado se comporta como dominador da natureza. Ele também, o dominado, é imediatista e individualista. Ele também quer usar a natureza em seu próprio benefício. Sempre que me chamam para opinar sobre um projeto ou uma ação do poderoso, a pedido dos atingidos por elas, verifico que eles, os atingidos, já praticaram muitos estragos, criando, inclusive, um contexto que pesa contra eles.
A atitude dos dominados é a de viver sua vidinha de maneira comodista e individualista. Enquanto o dominador estiver destruindo a natureza sem atingir seus interesses, nenhuma voz se levanta contra os grandes empreendimentos, a não ser a dos críticos do sistema, geralmente pessoas da classe média que pensam além dos seus interesses particulares. Todavia, no momento em que um grande empreendimento atinge os interesses particulares dos pequenos, estes protestam.
Reconheço, é claro, as experiências – pequenas ou grandes – que contrariam a estratégia, tentando corroê-la pelas beiradas ou por qualquer ponto frágil dela. Talvez, com o agravamento da crise socioambiental causada pela estratégia dominante em nível global, tais experiências apontem para um novo caminho.
No momento, contudo, não vislumbro a perspectiva de evitar o abismo. Em sua grande maioria, fortes e fracos trabalham para a catástrofe. Mas posso estar errado na minha avaliação. Além do mais, pode ser que algum evento imprevisível mude o rumo da estratégia global, que colide com os limites da natureza e está liberando suas poderosas forças. Elas, mais do que os humanos, podem mudar a estratégia atual.

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